ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Corpos de homens no cinema: o olhar não esquivo de Um Estranho no Lago |
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Autor | RODRIGO RIBEIRO BARRETO |
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Resumo Expandido | Mesmo contemporaneamente, a exibição erotizada do corpo masculino no cinema é construída e recebida como algo distante do corriqueiro ou casual. Considerando-se o tipo de sentimentos e reações envolvidos nessa questão – incômodo, alarde, frisson, surpresa etc. –, continua sendo instigante a compreensão das razões para que tal erotização seja particularmente compensada/relativizada em termos visuais e narrativos (Neale, 1992), além de fortemente regulada por resistentes convenções socioculturais (Lehman, 2001). Isso quando ela não é prontamente encarada como dissonante, desnecessária e até como reprovável. De todo modo, o fato é que se trata de um recurso que ainda desperta muita atenção, especialmente quando utilizado em uma obra que inclui – em desafio adicional à convencionalidade – a abordagem do afeto/desejo sexual entre homens.
Esse é o caso do filme escolhido para análise, Um Estranho no Lago (2013). Embora faça opção por concisão narrativa e ambientação reduzida, a obra de Alain Guiraudie orquestra um bem urdido tensionamento da representação masculina no cinema. Para começar com o mais óbvio, o filme sublinha aquela que é a última (e frequentemente evitada) fronteira da exibição de corpos de homens: o pênis. Há uma frequência incomum de nus frontais do elenco exclusivamente de homens, sem qualquer inibição em tais aparecimentos. Nesse quesito, são identificáveis todas as categorias apontadas por Lehman, tendo-se então: 1) o pênis no modo fálico, impressionante e potente; 2) o pênis no modo cômico, em todos os sentidos diminuído e 3) o pênis incluído em enquadramento melodramático, aquele que justifica enfaticamente a exibição corporal. A análise poderá demonstrar a existência de uma categoria adicional, uma vez que Um Estranho no Lago parece ir além de tais possibilidades nos momentos em que a visão do corpo masculino é descomplicada e submetida a poucos julgamentos, sejam eles morais ou relativos à diversidade exibida de aparências físicas. Interessa ainda compreender a complexidade temática do filme. Essa tarefa precisará fazer referência aos flertes desse drama com distintos gêneros cinematográficos. Guiraudie não compõe uma representação fácil de um local de pegação gay à beira de um lago. A princípio, prevalece um tom leve, destacado pela bem engendrada mise en scène que exibe reiteradamente a disponibilidade humana, os rituais de olhar e ser olhado, as proximidades e distanciamentos precisamente demarcados entre os corpos, as relações tanto sexuais como de amizade. Há, ainda nesse ponto, a inesperada, mas crível, inclinação romântica de Franck. É justamente quando esse protagonista passa de voyeur de seu interesse amoroso a testemunha de um crime que o tom do filme muda, aproximando-se de um thriller. Passa-se do desejo erótico para o de matar e morrer. Com essa mudança, significativamente, as cenas de sexo ficam mais detalhadas, mostrando uma coreografia pontualmente alusiva ao cinema pornográfico. O que ficaria então mais evidenciado no filme: a noção de liberdade sexual ou a ligação dessa permissividade com a violência? Em busca de uma resposta não dicotomizada à esta pergunta, é preciso fazer a análise fílmica abarcar e ser informada pelos debates culturais atuais sobre tais temas. É possível adiantar que não se deve esperar de Guiraudie uma representação sanitizada dos gays. A promiscuidade exibida contrasta com a pressão social pelo assimilacionismo das minorias sexuais. Neste e em outros filmes, a objetificação masculina pode contribuir para instaurar fissuras no status de poder heteronormativo, inclusive através de seu apelo para espectadores desvalorizados na esfera do desejo. Além disso, Um Estranho no Lago não se ajusta perfeitamente ao clamor militante por imagens “positivas” dos homossexuais. Talvez haja aí um ganho artístico considerável para o filme, já que, como bem aponta Hanson (1999), a preocupação excessiva com a boa imagem frequentemente resulta desinteressante em termos estético-narrativos. |
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Bibliografia | BORDO, Susan. The male body: a new look at men in public and in private. New York: Farrar, Straub & Giroux, 1999, 358 p.
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