ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Indiscernibilidades entre música, ruído e voz no documentário |
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Autor | Renan Paiva Chaves |
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Resumo Expandido | O campo do documentário encontrou no General Post Office (GPO) Film Unit (1933-1940), na Grã-Bretanha, um espaço privilegiado para experimentação, especialmente naquilo que concerne ao som fílmico. As intenções e o clima da preocupação e do interesse com o som ecoaram entre os realizadores e podemos notá-los, para além dos próprios filmes, nos volumes dos anos 1930 dos periódicos Cinema Quarterly, Sight and Sound e World Film News and Television Progress e nos relatos posteriores dos envolvidos na produção dos documentários deste período.
O ponto que quero ressaltar dessas produções encontra-se, sobretudo, no tocante a momentos de indiscernibilidade, tanto do ponto de vista do esquema de realização quanto do espectatorial, entre as pistas de música, voz e ruído – a clássica divisão tripartite da trilha sonora consolidada no cinema nos anos 1930, tanto na perspectiva da organização produtiva quanto na perspectiva teórica, especialmente no domínio ficcional. Filmes centrais para esse debate são, por exemplo, Industrial Britain (1931-1933) de Basil Wright, Upstream (1932) de Arthur Elton, O’er Hill and Dale (1932) de Basil Wright, 6.30 Collection (1934) de Edgar Anstey, Pett and Pott (1934) de Alberto Cavalcanti, London can take it (1940) de Humphrey Jennings, Listen to Britain (1942) de Humphrey Jennings e Stewart McAllister e os já bastante, mas não suficientemente, discutidos Song of Ceylon (1934) de Basil Wright, Coal face (1935) de Alberto Cavalcanti e Night mail (1936) de Harry Watt e Basil Wright. Do ponto de vista da produção teórica e crítica dos envolvidos, cabe trazer à discussão os seguintes textos: “The documentary producer” (1933), “The G.P.O gets sound” (1934a) e “Introduction to a new art” (1934b) de John Grierson, “Experiments in counterpoint” de Hebert Read (1934), “The musician and the film” de Walter Leigh (1935), “Shipyard” de Basil Wright (1935), os livros Sound and the documentary film de Ken Cameron (1947) e Filme e realidade de Alberto Cavalcanti (1957) e “Some origins of Cinéma vérité and The sound-track in British documentary” de Edgar Anstey (1966). Neles, além das intenções de experimentação e dos caminhos eleitos para a prática sonora, pode-se notar a presença de conceitos, ou pelo menos expressões, que antecipam, senão de forma arqueológica, por consonância e similitude, os termos sound-designer e sound-design – usualmente creditados a Walter Murch e Ben Burtt e que se difundiu a partir dos anos 1970 e que hoje se refere a um nicho de produção e trabalho, tanto no domínio documental quanto no ficcional. A exemplo: sound-composer, sound-score, design of the sound-track, effect music e noise-music. Desta forma, essa temática se apresenta como uma espécie de “os primórdios” daquilo que vemos se consolidar no cinema na década de 1970. E o que podemos notar a partir dos anos 1970 é a consolidação do “artista do som” no mercado cinematográfico, o sound-designer, que acabou por contribuir com o esgotamento teórico da noção tripartite da trilha sonora para explicar o som de muitas das produções cinematográficas. De certa forma, o que se percebe é a invasão recíproca da música, voz e ruído das fronteiras que dividiam as típicas funções de cada uma destas pistas no cinema clássico. Em outras palavras, torna-se mais complicado explicar e reconhecer separadamente, com clareza, na totalidade do filme, a música como música, a voz como voz e o ruído como ruído em suas funções clássicas. Enfim, a trilha sonora encontrou no domínio documental, nos anos 1930, um lugar profícuo de desenvolvimento e experimentação, no âmbito teórico e na prática fílmica. A recorrente falta de precisão ao se definir se os sons de um filme pós-1970 são música, ruído, ambiente sonoro, voz, canto, coro etc., já podia ser notada nas indiscernibilidades a respeito da divisão entre as pistas de música, voz e ruído no documentarismo britânico mais experimental. |
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Bibliografia | ANSTEY, E. Some origins of Cinéma vérité and The sound-track in British documentary. Paris: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, 1966.
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