ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Fabulação,memória e invenção: Mauro em Caiena e Branco Sai, Preto Fica |
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Autor | Aline Bittencourt Portugal |
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Resumo Expandido | Um menino de cinco anos sorri, muito perto da câmera. Ele olha para a lente. Começa a respirar ofegante, como um cachorro. Aproxima-se mais da câmera, e começa a lamber. Continua a fazer sons estranhos. O cachorro-menino late, e ri. Em seguida, ouvimos uma carta para Mauro: “Sabe, Mauro, de todos os seus sobrinhos, Marquinhos é o que melhor sabe imitar um cachorro. Ele vem desenvolvendo essa prática já faz algum tempo, essa coisa de latir e fazer buracos na terra. E é quase como se ele visse tudo em preto e branco, e pudesse ouvir ruídos muito baixos. Admiro pra caramba essa capacidade, Mauro, de se transformar em outra coisa. Como um dinossauro, ou uma lembrança.”
Esse é o começo de Mauro em Caiena, que acontece logo após o prólogo. O filme segue inteiro em preto e branco. Como veem os cachorros. Como vê também Marquinhos, com a sua capacidade de se transformar em outra coisa. O filme admira e incorpora essa possibilidade, de inventar-se. Coloca-se no ponto de vista do cachorro-criança e nesse gesto propõe um deslocamento, ao partir da fabulação como um dado de realidade. A materialidade do preto e branco ressalta essa indistinção entre fabulação – o ser cão e tantas outras metamorfoses – e experiência. Experiência essa que, por sua vez, atravessa o próprio fazer fílmico, na medida em que é também atravessada por ele. Mauro em Caiena segue então criando conexões, fabulando com dinossauros e lembranças. Com o espaço em que vive na Maraponga e as pessoas ao seu redor. É como se tudo ali fosse material que possibilita a invenção. Esse gesto situa o processo de fabular para além de uma subjetividade individual. O cinema torna-se um espaço de criação de mundos. Um espaço de agenciamentos entre o sujeito e os tantos elementos com os quais entra em relação – como a cidade, que emerge aqui com força singular. O filme se tece a partir do mundo, e nesse mesmo gesto inventa o mundo que filma. Branco Sai, Preto Fica compartilha e desdobra esse gesto, de partir do seu entorno mais próximo, não para dar conta dele enquanto representação ou realidade, mas para fabular a partir e com essa matéria imanente. Os filmes borram a fronteira entre realidade e ficção. Eles situam-se na borda: é entre a vida vivida e a imaginada que engendram suas formas. Ao mesmo tempo sofrem e produzem real. Nesse duplo gesto, retomando Deleuze, o que emerge é a fabulação. Aquela que carrega uma potência falsificadora, que cria mundos habitáveis e vivíveis. Nesse sentido, a fabulação aparece como produtora de enunciados coletivos, e por isso se instala num lugar fronteiriço entre a experiência pessoal e a política: “A fabulação (...) é uma palavra em ato, um ato de fala pelo qual a personagem nunca pára de atravessar a fronteira que separa seu assunto privado da política, e produz, ela própria, enunciados coletivos. (DELEUZE, 1990, p. 264)” Nesses atravessamentos entre experiência pessoal e enunciados coletivos, cinema e vida, buscaremos perceber, nos filmes, como essa conexão se dá a partir de elementos de memória e fabulação – que concorrem para criar formas de invenção de si e da cidade. A fabulação é, portanto, um dado de onde os filmes partem. Um gesto que, para se produzir, conecta elementos heterogêneos. Cabe então observar como a fabulação maquina. Tomaremos os filmes enquanto máquinas que, como afirmam Deleuze e Guatarri, realizam conexões as mais diversas: “Por toda parte são máquinas, e sem qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com suas ligações e conexões. (...) É assim que todos somos bricoleurs, cada um com as suas pequenas máquinas. (DELEUZE & GUATTARI, 1972, p.7)”. Buscaremos perceber como acontece, nos filmes, essa bricolagem. Investigar o que eles colocam em relação, como se dá a composição dessa junção de heterogêneos, já que “o que faz máquina, falando propriamente, são as conexões (...)” . Ou seja, vamos olhar para que agenciamentos eles realizam; e perceber que formas de vida estão forjando na imagem. |
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Bibliografia | BRASIL, André. A performance: entre o vivido e o imaginado. Trabalho apresentado ao GT Comunicação e Experiência Estética do XX Encontro da Compós, na UFRGS, Porto Alegre, em junho de 2011.
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