ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Documentário, literatura e atravessamentos do sertão em Geraldo Sarno |
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Autor | Felipe Corrêa Bomfim |
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Resumo Expandido | A partir de 1970, o cineasta Geraldo Sarno inicia uma nova fase em sua filmografia, após um primeiro ciclo de intensa realização junto ao produtor e fotógrafo Thomaz Farkas. Clara Ramos (2007: 79) considera Viva Cariri! (1970) como um “documentário de transição”, em que se verifica a diluição de um modelo mais rígido de enunciação, enveredando para uma direção de caráter ilusório e “antinaturalista” da montagem. Avellar (2003: 198) pondera que essa mudança pode ser compreendida na medida em que na década anterior, os anos 1960 e o auge do Cinema Novo, a ficção se nutria da potência do documentário e, então, posteriormente, cumpriu-se um percurso inverso, sendo o documentário tributário das formas da ficção e, principalmente, da literatura, algo que os documentários de Sarno passariam a corroborar, desde então.
A partir dessa abordagem, que privilegia as relações entre a realização documentária e as formas literárias, iremos analisar os documentários Casa-Grande & Senzala (1974), Segunda feira (1975) e Eu carrego um sertão dentro de mim (1980), de Geraldo Sarno, em que as formas do ensaio, da literatura de cordel e da poética de Guimarães Rosa são ativadas para as elaborações formais e de conteúdo. Ao orientar-se pelas vias do literário e do ensaio sociológico, Sarno ativa um repertório popular e erudito, sendo o sertão um atravessador desses domínios, algo que modela o olhar poético e a crítica social, política e histórica do cineasta. Com exceção de Casa Grande & Senzala, notamos mudanças significativas na abordagem do universo temático do sertão, sobretudo em relação aos filmes realizados na década de 1960. Notam-se algumas modificações formais nos documentários, como maior observação dos sujeitos filmados e variações expressivas nos usos da montagem. As considerações de Sylvie Debs (2007) entre cinema e literatura, com enfoque particular nas relações entre o sertão, e as construções de identidade nacional e cultural foram recuperadas para lidarmos com o contexto fílmográfico e de leitura dos filmes. A abordagem também se vale da observação sobre trabalho de composição das imagens e dos sons, com o objetivo de extrairmos os espectros artístico, social, político e histórico que emanam da ‘voz’ dos filmes (NICHOLS, 2005). Assim, já em Viva Cariri!, as dissonâncias em sua estrutura antecipam um processo de reflexão e de revisão do cineasta sobre a sua maneira de documentar, algo que iria se desenvolver amplamente durante a década, com continuidade nos anos 1980. Isso pode ser ilustrado com os filmes compõem o corpus desse estudo. Assim, Sarno vale-se de imagens de arquivo e dos recursos de relação entre palavra e imagem em Eu carrego um sertão dentro de mim, recorre em Segunda feira às experimentações entre a palavra poética e a organização das imagens -, sublinhando a música como um forte componente de sentido, sendo esse processo conduzido por uma parceria entre o cineasta, o maestro Jaceguay Lins e o poeta José Carlos Capinam - e em Casa Grande & Senzala instaura-se apenas uma apresentação dos capítulos do livro de Gilberto Freyre, sem grandes soluções formais. Apesar de reconhecermos a intenção por parte do cineasta em transpassar seu próprio estilo, marcado pelo que Jean-Claude Bernardet (2003) denominou como o ‘modelo sociológico’, presente dos filmes da década anterior, notamos que a ‘voz’ destes documentários ainda não se desvencilhou completamente desta herança, dificultando, deste modo, a construção de uma ‘voz’ própria nesses documentários. Respiramos outro momento na filmografia de Sarno, sobretudo em relação ao dialogo com a literatura que permite investimentos formais e de conteúdos diferenciados. Sarno elabora outro olhar, com o desapego em relação ao nacional-popular que o marcou previamente. No entanto, em relação à mudança na abordagem formal, trata-se de um processo sutil e gradual,a passos largos de uma possível mudança paradigmática,pautado nas tentativas de aproximar o documentário a outras formas de arte. |
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Bibliografia | AVELLAR, J. C. Geraldo Sarno. In: PARANAGUA, P. A. Cine Documental en America Latina.Madri: Cátedra, 2003. p. 187-199.
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