ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Retratos da dor, arquivos de resistência no documentário brasileiro |
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Autor | Glaura Cardoso Vale |
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Resumo Expandido | A partir das indagações de Susan Sontag em Diante da dor dos outros – “podes olhar para isso?”–, quando expõe criticamente o “prazer de estremecer” gerado pela iconografia do sofrimento, este trabalho pretende investigar, no documentário brasileiro, como as imagens da violência são trazidas à cena submetidas a um olhar crítico. Para tanto, pretende-se apontar e discutir como as escolhas de abordagem e de montagem – basicamente no manuseio de fotografias –, ao dar a ver a dilaceração física e/ou moral, problematizando e reinserindo essas imagens no mundo, transformam os arquivos da violência em arquivos de resistência. Ao lidar reflexivamente com essas imagens, lançando mão, em muitos casos, da forma ensaística, alguns documentários procuram escapar desse voyeurismo criticado por Sontag, exigindo do espectador “uma ética do olhar”, conforme César Guimarães salienta.
Através do recorte, da repetição, da sugestão, da suspensão, da fala sobreposta à imagem, a hipótese é de que tais gestos promovem uma ressignificação desses “retratos da dor”, desnaturalizam o olhar acostumado a uma violência espetacular (que já não mais nos permite ver a destruição da integridade de homens e mulheres no mundo) e exibem nossa fragilidade perante as instituições de poder, como a Prisão, por exemplo. Atentando para o fato de que nada está garantido e de que a imagem é apenas mais um indício dessa fragilidade a qual somos submetidos, os filmes subvertem a lógica da iconografia do horror (“é possível olhar para esta imagem?”) nos perguntando: “é possível conviver com esta imagem?”. Para esta apresentação, o corpus está circunscrito a dois filmes brasileiros; cada qual expõe, a seu tempo, um método particular de reenquadrar a dor tornando-a imagem de resistência: Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, 1984), sobre a luta campesina e a família de João Pedro Teixeira; e Retratos de Identificação (Anita Leandro, 2014), com personagens que experienciaram a tortura durante a ditadura militar no Brasil. Num hiato de 30 anos entre um lançamento e outro, acreditando ser um debate profícuo aproximar essas duas cinematografias, procuro perceber, nas dinâmicas dos realizadores, as complexidades de se trabalhar estética e politicamente um tema tão delicado e urgente, ciente de que o cinema opera sempre no risco de minimizar o sofrimento ou de torná-lo espetáculo: “é possível entrever a própria morte na morte do outro?” – pergunta que os documentários nos lançam. Ressalta-se, ainda, a importância de dois filmes da cinematografia estrangeira que auxiliaram comparativamente no desenvolvimento do argumento ora proposto, uma vez que lidam diretamente com fotografias de identificação do cárcere, sendo o primeiro com arquivos da PIDE, no regime salazarista, 48 (Susana de Sousa Dias, Portugal, 2009); e, o segundo, com os arquivos do Khmer Vermelho, S21 – A Máquina de morte do Khmer Vermelho (Rithy Panh, França/Camboja, 2003). |
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Bibliografia | SONTAG, Susan. Olhando o sofrimento dos outros. 3ª ed. Trad. José Lima. Lisboa: Gótica, 2007.
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