ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Mas afinal... o que sobrou mesmo do cinema? |
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Autor | Fernão Pessoa Ramos |
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Resumo Expandido | A comunicação irá buscar detalhar a situação atual da arte cinematográfica. Partimos do princípio que o cinema não está em todo lugar e que o conceito de ‘cinema expandido’ leva cinema onde não existe.
Cinema é uma arte fortemente flexionada pela tecnologia e que envolve, principalmente (mas não exclusivamente) a máquina câmera e a máquina da tela/projetor. No meio delas há a máquina que articula as imagens pela montagem e faz o filme. Vamos, por questões de exposição, deixar de lado o que chamo imagens digitais internas, sem mediação de câmera. Em todas as imagens-câmeras, a imagem-movimento traz em si a marca do exterior, do mundo, a marca da circunstância da tomada, ainda que esta marca seja apenas um leve átomo da matéria. O que faz matéria ou carne ao baterem no suporte da câmera é detonar uma série de logarítimos matemáticos. Logarítimos que se articulam, na imagem padrão dominante, com grande semelhança à imagem especular. Na raiz desta imagem está o mundo em circunstância de tomada. Mas cinema não são imagens-câmera em movimento soltas em qualquer direção, cinema não é uma instalação com imagens-em-movimento. Cinema são imagens que se articulam em uma unidade mais extensa que denominamos ‘filme’. Cinema então é filme. Mas o que é o filme? A definição deve partir da constatação de que um filme passa de um modo muito particular, pois é um passar que tem medida (ao contrário das fotos, das pinturas, das instalações, que passam enquanto olho para elas). Os filmes duram e, se quisermos fruí-los esteticamente, temos de vê-los e ouvi-los em sua duração, do princípio ao fim. Os filmes são feitos para durar (20 minutos; 1hora e 40; 6 horas). E o que faz a arte do cinema? Ela pega a duração do filme e através dos procedimentos estilísticos que lhe são próprios faz cair um machado e fende o passar para liberá-lo em direções que torcem, pela arte do estilo, o presente que o filme passa. O filme é absoluto em sua duração, mas a narrativa cinematográfica está longe de sê-lo. Pois a narrativa cinematográfica é constituída destes embates no mundo que espicham o corpo em cena na tomada pelo corpo para o filme, e fazem os traços da matéria vibrarem como tempo puro, mente ou carne. Jacques Aumont, em seu último livro, Que reste-t-il du cinéma? define corretamente o tempo da ‘séance’, o tempo da ‘sessão’, como o que é único do cinema. Pois é pelo funil da ‘séance’ (o funil do transcorrer consecutivo, funil do largo presente) que arte do cinema torce o pescoço da galinha da duração até fazê-la engolir sua carne e, piando, cuspir memoria ou virar fumaça mental (ou só fumaça temporal, como quer certa filosofia contemporânea). O filme é, então, o núcleo duro do cinema, é o que permanece, o que sobrou hoje e faz singularidade. Assim, querer falar de um ‘cinema expandido’ que abrangeria o conjunto de artes plásticas, instalações em museus, experiências videográficas, parece um contrassenso. Cinema expandido é tudo e então é nada. Se o lugar tipo-ideal do filme é a sala de cinema, é por que lá ele pode passar como é (passar como um trem, o trem em balada progressiva do cinema, segundo a bela metáfora de Truffaut). Fora do cinema, o filme se abre para as novas tecnologias de difusão, sem deixar de ser filme. Vemos filmes, e interrompemos o trem-balada do filme, na televisão da cozinha para atender telefone, ou no computador esperando a mensagem do facebook. Mas o caminho pelo filme é uma pedra que, se rachada pela intensa interação digital, será outra coisa (o que também pode ser ótimo). O cinema necessariamente morde a carne do filme. Vemos a sideração da sociabilidade das redes digitais conviver (certamente de um modo mais disperso), com o ato de se ver um filme pelo bloco de tempo que carrega. E aí é que está a graça. O modo de se ver um filme, e se abrir para os afetos que carrega, está na maneira que nos atinge ao passar durando, passar que é duro e absoluto e tem de se estender na medida inteira de seu transcorrer. |
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Bibliografia | Aumont, Jacques. Que Reste-t-il du Cinéma? Paris, J.Vrin, 2012.
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