ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Medo e experiência urbana em “Historia del miedo” (Argentina, 2014) |
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Autor | Natalia Christofoletti Barrenha |
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Resumo Expandido | Em seu ensaio “Políticas do medo”, Adauto Novaes fala de como as formas do medo são oscilantes no tempo e no espaço: enquanto, no passado, o medo vinha maiormente da natureza e do sobrenatural, hoje o principal medo da humanidade vem do próprio homem. Segundo ele, “duas espécies de medo rondam, pois, os homens da sociedade contemporânea dominada pelo materialismo vulgar: o poder e a ameaça da perda dos bens não naturais e não necessários. Assim, o medo se refugiou nas ideias de interesse e consumo e, portanto, no mais puro egoísmo. O mundo profano e o desejado declínio das superstições, decorrentes em grande parte do prestígio da razão, não aboliram o medo. Paradoxalmente, ao deixar de ser teológico apenas, o medo perdeu corpo. Ele se torna duplamente temido porque, além de imaginário, como o medo tradicional, nem mesmo tem nome. Muitas vezes não se sabe do que se tem medo” (NOVAES, 2007: 12). Seguindo ao texto de Novaes (na coletânea organizada por ele “Ensaios sobre o medo”), Jean Delumeau pinça algumas questões sobre cidade e (in)segurança ao desenvolver suas ideias no artigo intitulado “Medos de ontem e de hoje”. Embora, para o autor, seja uma banalidade dizer isso, hoje é sobretudo nas cidades (e, especialmente, nas grandes cidades) que se tem medo. Tal medo induziu uma mudança da vida cotidiana nos espaços urbanos, em razão das medidas de controle para a segurança. A necessidade de segurança é essencial em nós. Porém, Delumeau preocupa-se em abordar também a relação entre a insegurança objetiva e o sentimento de insegurança: o momento em que um excesso de segurança não reconforta mais e que a busca febril pela proteção cria novamente a angústia – sendo necessário tomar consciência dos perigos que nós mesmos criamos.
Em “Bem perto de Buenos Aires” (“Historia del miedo”, Benjamin Naishtat, 2014), ao nos determos tanto no título do filme em português quanto no seu original, ficam evidentes as conexões que aí serão estabelecidas entre a experiência urbana e o medo. A produção é organizada como uma série de situações em que os personagens experimentam medos difíceis de nomear mas que têm a ver com a sensação de mal-estar urbano que (n)os rodeia. Os três núcleos de personagens se encontram entre si: a família de classe alta que vive em um condomínio fechado, região sitiada física ou imaginariamente que pretende se ausentar do turbilhão caótico exterior de uma grande cidade com inúmeras problemáticas geradas pela desigual divisão de renda; a mãe e o filho de classe média que vivem em um apartamento na cidade – porém, nas alturas, também tentando se apartar do que acontece ao seu redor; e o conjunto de pessoas da classe baixa, relacionadas por laços de parentesco, amorosos ou de trabalho, e que prestam serviços aos anteriores. Distanciando-se do realismo para abraçar de maneira sutil aos códigos de gênero do horror – à maneira de filmes brasileiros como “O som ao redor” (Kléber Mendonça Filho) e “Trabalhar cansa” (Juliana Rojas e Marco Dutra), ambos de 2012 –, alguns incidentes transitam entre o inexplicável, o fantástico e o absolutamente concreto, situando a narrativa num ambiente de instabilidade que provoca um insistente medo (SOUTO, 2012). Quanto maior a segurança, maior a inquietação, deixando as pessoas em constante sobressalto, mesmo que nada (?) aconteça. Dessa maneira, buscamos pensar como o filme se dedica a estabelecer o medo a partir da experiência urbana desenvolvendo as seguintes observações: - a repetição que devém em imobilidade (e, de certa forma, a impossibilidade de fazer desaparecer a razão do temor, a qual Comolli [2008] associa ao medo e à violência no cinema); - o estado de suspensão causado pelas ações que nunca se concluem (mas que se configura, ao final, como um suspense frustrado, incrementando o jogo que o filme trava com o realismo e o gênero do horror); - a inscrição do fora de campo como o temor que vem de fora – ou da alteridade; - as potências narrativas derivadas da trilha sonora. |
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Bibliografia | CHAMORRO, Alberto. Argentina, cine y ciudad. El espacio urbano y las narrativas fílmicas de los últimos años. Mar del Plata: EUDEM, 2011.
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