ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Cinco Câmeras Quebradas: a cena do conflito, os rastros da montagem |
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Autor | Maria Ines Dieuzeide Santos Souza |
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Resumo Expandido | Este trabalho propõe levantar algumas questões acerca do documentário palestino-israelense Cinco Câmeras Quebradas (Emad Burnat e Guy Davidi, 2011). Ao longo de 6 anos – de 2005 a 2011 –, Emad Burnat registrou em vídeo as manifestações pacíficas dos habitantes da aldeia Bil’in, na região da Cisjordânia, contra a construção do muro que protegeria um assentamento israelense. A barreira avançava sobre 60% do território de Bil’in, ocupando e desapropriando terras cultiváveis dos palestinos que vivem no lugar. A população, então, dá início a manifestações pacíficas semanais, com o intuito de evitar a construção e reaver as terras, protesto que ainda não tinha terminado em 2011, quando da finalização do filme, mesmo com o afastamento do muro em relação à aldeia, que devolveu uma pequena parte das terras ocupadas.
O início da construção da barreira – e das manifestações – coincide com o nascimento de Gibreel, o quarto filho do diretor. Sem pretensões de realizar o filme (era um cinegrafista amador), Burnat dividia seus registros entre o cotidiano familiar e os protestos, com o intuito inicial de tentar proteger a população, realizando provas de abusos, violências ou arbitrariedades do exército israelense. Com o tempo, a realização das gravações vai mostrando que o cotidiano familiar é inseparável do contexto social da aldeia, na experiência e na luta contra a ocupação israelense. Em 2009, já com mais de 500 horas de material gravado, Burnat associa-se ao documentarista israelense Guy Davidi, e o processo de roteirização/edição do filme tem início. Nos dois anos seguintes (entre 2009 e 2011) Emad Burnat ainda registra material que será incorporado ao corte final. Parece-nos que a afirmação de Cláudia Mesquita a respeito do filme-processo dá algumas pistas para pensar nas especificidades de Cinco Câmeras Quebradas: "São filmes cuja feitura, em resumo, se desdobra no tempo, por circunstâncias várias, resultantes de sua interseção com o vivido, e cuja escritura acolhe – e se modifica por – esses percalços históricos. […] Destaquemos então mais essa característica radical dos ditos filmes processuais: o cinema não é apenas tangido e modificado pela experiência histórica, mas intervém e altera, participando da mudança" (MESQUITA, 2014: 216-217). Em Cinco Câmeras Quebradas, é o próprio impedimento de filmar, com as consequentes destruições das câmeras, o que determina a escritura do filme. A primeira cena já é composta por imagens de uma câmera “abatida”: turvas e pixeladas, abstratas, em fuga, as imagens captam o chão, a fumaça, pedaços do céu. Essas cenas se repetirão ao longo do filme, estruturando blocos e contribuindo para o direcionamento da narrativa. Usando a câmera como “arma de combate” (BENTES, 2013), o filme todo carrega a presença física do operador da câmera, como aquele que registra mas que também sofre os acontecimentos, materializando na imagem a situação do risco e as interações propostas pelo realizador. Na montagem, o filme articula os momentos intensos da tomada com uma narração pouco emotiva, na voz over de Emad Burnat, construída com a distância temporal que a realização do filme tomou do presente das tomadas. As imagens serão retomadas no momento da montagem, propondo, por meio da narração, uma reflexão sobre os momentos gravados. Emprestando uma análise de Comolli (2014), teríamos que pensar nesses dois tempos que governam o percurso do filme: o primeiro, o tempo do “relato verbal”, propõe a análise dos acontecimentos e do próprio gesto de filmar, a partir do distanciamento; o segundo, tempo de um “presente da tomada”, é o que dispõe o cotidiano marcado pela instabilidade e incerteza dos episódios vividos, com suas pequenas vitórias e violentos confrontos. É nesse embate entre tomada e montagem, parece-nos, que se situa o desafio na análise de Cinco Câmeras Quebradas. |
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Bibliografia | BENTES, Ivana. A câmera de combate e o animal paranóide. In: Catálogo do 17º Festival do Filme Documentário e Etnográfico – Fórum de Antropologia, Cinema e Vídeo (Forumdoc.BH). Belo Horizonte, 2013. p. 302-319.
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