ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Artur e Santiago: estilo, diálogo e entonação em J. M. Salles |
|
Autor | SUÉLLEN RODRIGUES RAMOS DA SILVA |
|
Resumo Expandido | Por meio de pesquisa sobre a aproximação de produções do jornalismo narrativo e do cinema-documentário, e constatação da pertinência do conceito de jornalismo literário cinematográfico (LIMA, 2003), analisamos o filme "Santiago: uma reflexão sobre o material bruto" (2007), de João Moreira Salles, corpus central, relacionando-o ao perfil "Artur tem um problema" (2010), também de autoria de Salles, publicado na revista piauí.
Verificamos convergências na estrutura narrativa a partir da opção por um modo de narrar pautado na experiência (BENJAMIN, 1980) e de um estilo ensaístico (BORDWELL, 2013), que transpõe a questão do suporte, textual ou fílmico. Comparamos os objetos, também, por meio do modo como se dá, e são representadas em cada um deles, a articulação com a instância narrativa e a relação entre Salles e seus personagens. Através da percepção de elementos metalinguísticos (STAM, 1981) e da observação do confronto de vozes, e nuances de entonação (BAKHTIN, 2011), revelados tanto no perfil quanto, de modo mais acentuado, no documentário, identificamos como tais produções são construídas para que a inter-relação realizador/personagem aponte, no material final, o estabelecimento de um diálogo. Adotamos a classificação de entrevistas feita por Medina (1986), que as tipifica em de espetacularização e de compreensão, havendo, na segunda forma, uma abertura ao entendimento do outro, possibilitando a “criação artística de um diálogo” via “personalidade dialógica” do entrevistador e de sua sensibilidade para o uso de saídas narrativas e do aproveitamento da subjetividade, conforme a relação documentarista/documentado defendida por Coutinho (2013). Para o estudo do tom, no perfil do matemático Artur Avila, focamos nas inserções de falas, sendo possível para o leitor intuí-lo também via descrição de detalhes de cenas, de ações, de expressões de sentimentos dos personagens e nas reflexões do narrador-personagem sobre a própria matemática, à qual atribui valor estético, além de colocar-se em cena e dirigir-se ao seu leitor hipotético. O documentário "Santiago" potencializa o uso da entonação, não só devido ao acesso que temos à imagem e ao som, mas pela complexidade narrativa que o caracteriza, a exemplo do confronto entre a voz extracampo do personagem documentarista, presente em cena, e o discurso em voz over do narrador-personagem, ao qual a sua identidade é atribuída. Em "Artur tem um problema", o diálogo entre entrevistador/entrevistado, nos moldes da entrevista de compreensão, evidencia-se como interação ocorrida desde o momento de captação de informações. Em "Santiago", temos uma entrevista realizada via espetacularização do entrevistado, mas que se transmuta em entrevista de compreensão a partir de uma articulação narrativa do material bruto que ocorre na montagem. Uma mudança que revela a consciência do realizador sobre a gradual transformação estilística do gênero documentário (RAMOS, 2012). Observando isoladamente os planos das entrevistas realizadas por Salles e sua equipe com o ex-mordomo Santiago Badariotti Merlo, em 1992, percebemos que não há a adoção de uma postura dialógica (BAKHTIN, 2011). É através da mudança de posicionamento durante a montagem final, em 2005, quando os realizadores decidem que Santiago precisava ser “ouvido”, que se dá um afastamento da espetacularização e uma aproximação da tentativa de compreensão do sujeito por meio da inserção de sequências que não seriam aproveitadas. Com a inclusão da imagem do documentarista e da narração em voz over, revelando a interação entre personagem e documentarista, e o processo de construção do filme, desnuda-se a relação assimétrica entre vozes. Percebemos as intervenções do realizador, o direcionamento dado ao discurso de Santiago e a presença da encenação documental (RAMOS, 2012). O documentário que pretendia apenas a apresentação de um personagem-título, via formato tradicional do gênero, ganha uma dimensão artística em sua versão definitiva. |
|
Bibliografia | BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
|