ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Corpos dissonantes e artifício em três filmes brasileiros |
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Autor | Fabio Allan Mendes Ramalho |
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Resumo Expandido | Em Riscado (2010), longa-metragem de Gustavo Pizzi, acompanhamos uma mulher cujo ofício consiste em grande medida na personificação de diferentes ícones femininos – Marilyn Monroe, Carmen Miranda, Betty Page – em pequenas performances “sob encomenda”. Em certo momento, tal justaposição de figuras se dá de modo mais contundente mediante um registro composto pela sobreinscrição de imagens da pinup projetadas sobre o corpo da atriz Karine Teles, que performatiza os gestos e poses de uma feminilidade idealizada.
Por sua vez, em Doce amianto (2013), de Guto Parente e Uirá dos Reis, deparamo-nos com uma visualidade marcada pela assunção de uma estética afetada e over the top, ao mesmo tempo em que joga com certos clichês do amor romântico e dos contos de fadas. Nesse panorama onde a fabulação desponta como exercício para delinear um universo próprio, o corpo da protagonista aparece como materialidade visível que desloca a familiaridade dos estereótipos e referências apropriadas. Já Batguano (2014), de Tavinho Teixeira, toma como mote a idéia de um “declínio do ocidente”, sugerido pelo quadro apocalíptico de disseminação de uma peste e de precarização da experiência, para situar os corpos em decadência – mutilados, confinados – dos dois personagens principais. O filme se engaja numa profusão de referências heterogêneas que vão de publicidades antigas a programas de televisão, de canções populares a referências teóricas e do campo da arte, e sobretudo pela mobilização do universo dos super-heróis; mais especificamente, Batman e Robin, figuras cujo status é aqui plenamente assumido como o de imagens exploradas à exaustão pela indústria do entretenimento. Trata-se, em tais obras, de propostas que visam não tanto à postulação de um “real”, mas que, sobretudo, optam por instalar-se no fluxo de imagens e referências midiáticas que marcam a cultura do entretenimento e o espetáculo, de modo a extrair daí a constituição de estéticas singulares, marcadas pelo seu caráter impuro e combinatório e pelo seu ímpeto de reprocessamento de signos e imagens oriundos de diferentes produtos culturais. Tal reprocessamento se dá, no entanto, menos pela via paródica e o distanciamento do que por um engajamento afetivo que não esconde seu apreço pelos elementos visuais e referências assimiladas. Sob essa perspectiva, o corpo ocupa uma posição primordial, posto que é ele que dá a ver mais intensamente as fraturas que marcam os contextos de atualização das formas e repertórios reapropriados em cada uma das obras. Se, como observou Steven Shaviro (2004), “há sempre alguma margem ou resíduo entre as demandas ideais do papel desempenhado e a atualidade da(o) performer que tenta preenchê-lo ”, o corpo constitui um recurso expressivo privilegiado para elaborar o senso de inadequação aos modelos, ao mesmo tempo em que abre o registro das presenças em cena, essas “criaturas assediadas pelo heterogêneo” (BRENEZ, 1998), à possibilidade de um trabalho de criação que afirma as potencialidades de seus corpos dissonantes. Os filmes analisados nesta comunicação respondem, de distintas maneiras e mediante procedimentos fílmicos variados, à fratura entre as figuras idealizadas e os corpos que as reprocessam. Busco argumentar que eles têm em comum, no entanto, a ênfase em performances que sublinham o artifício das formas, poses e gestos que marcam a cultura do espetáculo. Tais universos despontam não como algo oposto à realidade, mas como uma instância que permeia e problematiza o real, deixando ver em que medida ele se articula com as forças da invenção e da imaginação. |
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Bibliografia | AGAMBEN Giorgio. “Notes on gesture”. In: Means without ends: notes on politics. Traducao de Vincenzo Binetti e Cesare Casarino. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2000, pp.49-60.
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