ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | "Já me transformei em imagem": cinema e devir-indígena na atualidade |
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Autor | Karliane Macedo Nunes |
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Resumo Expandido | Denominada de mídia indígena (STAM, 2009), mídia radical (MORGADO, 2014) ou pequena mídia (GINSBURG, 1995), a inserção na rede global de comunicação vivenciada pelos povos indígenas de diferentes países caracteriza-se pelo processo de apropriação tecnológica no qual elaboram e reelaboram suas imagens em diferentes formatos (documentários, ficção, webfilmes, programas de TV), utilizando-as de acordo com seus interesses culturais e políticos.
No Brasil, a maior parte dos filmes indígenas produzidos desde os anos 1980 são resultado do projeto Video nas Aldeias, que realizou oficinas de formação audiovisual em diversas comunidades, promovendo o acesso à tecnologia e incentivando o protagonismo de jovens indígenas na construção de suas próprias imagens e narrativas. Um dos aspectos mais marcantes desses filmes (em sua maioria produções partilhadas, resultado da parceria entre antropólogos, educadores e indígenas) é o diálogo intercultural, que acontece em diversos níveis: entre gerações de um mesmo grupo e membros de diferentes comunidades de um mesmo grupo, entre grupos distintos e também entre indígenas e não-indígenas, em escala nacional e internacional (CARELLI, 1995). Para os povos indígenas, a realização desses filmes aciona um processo dinâmico de criação e re-criação cultural, que não se faz apenas de tradições num sentido essencialista e que é alimentado pelo contato com a alteridade. Como explica Goody, “a cultura não é senão uma série de atos de comunicação (...) que envolvem progressos nas possibilidades de armazenagem, na análise e na criação de conhecimento, assim como nas relações entre os indivíduos envolvidos (GOODY, 1988, apud CARELLI, 1995, p. 64). A produção audiovisual indígena dá visibilidade a diferentes aspectos da realidade desses povos: luta por direitos e pela terra, rituais e cerimônias, o cotidiano nas aldeias. Configura-se assim, do ponto de vista político, como estratégia de resistência, reafirmação étnica e elaboração identitária, como instrumento de luta por sobrevivência cultural e também física. Contudo, há também nesses filmes uma dimensão micropolítica, que envolve questões estéticas e aspectos de subjetivação, atravessada por deslocamentos de poderes e de saberes em distintos níveis. Considerando esses últimos aspectos, esta proposta de comunicação elege o filme "Já me transformei em imagem" (2008), de Zezinho Yube (cineasta Huni Kui, do Acre), como material de trabalho. Como o título sugere, o filme (que integrou recentemente a mostra Native, dedicada ao cinema indígena no Festival de Berlim) destaca a inserção das tecnologias audiovisuais no cotidiano da aldeia, a irreversibilidade da relação dos Huni Kui com o processo de elaboração de imagens, e os efeitos desse processo na reinvenção de suas tradições, na construção de lugares de memória, na produção de subjetividades, na reconfiguração de forças e numa atitude reflexiva em relação à própria cultura. “Não temos mais como nos esconder. Já temos nossa imagem exposta. Daqui pra frente, só temos que pensar na nossa tradição. E fazer novos filmes”, explica o pajé Huni Kui numa fala demonstrativa de como, para o seu povo, tradição e tecnologia caminham juntas, subvertendo a lógica do senso comum que, ao exigir uma suposta “pureza” e “essência” indígenas, termina por destitui-los do lugar de sujeito, renegando-os ao passado histórico e negando-lhes a interculturalidade. Assim, a partir desse filme, em que os Huni Kui inserem-se no jogo da cultura e tornam-se sujeitos de sua falas, pretendo discutir a potência do cinema indígena em convergência com questões pulsantes do cinema contemporâneo: o hibridismo; o apagamento de fronteiras entre narrativas documentais e de ficção; o encontro entre performance e cotidiano, memória e fabulação, registro e encenação, tradição e vanguarda; o filme como catalisador da cultura e como lugar de produção de subjetividades. |
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Bibliografia | CARELLI, Vincent. Video e diálogo cultural. Experiências do Video nas Aldeias. Horizontes Antropológicos, 2, Antropologia Visual, PPGAS/UFRGS, 1995.
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