ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Solidão e experiência urbana em O homem das multidões |
|
Autor | Tatiana Hora Alves de Lima |
|
Resumo Expandido | "Victor Hugo, em Os miseráveis, fornece uma descrição surpreendente do subúrbio Saint-Marceau: “Não era a solidão, havia transeuntes; não era o campo, havia casas; não era uma cidade, as ruas tinham sulcos como as rodovias do interior e nelas crescia o mato; não era uma aldeia, os prédios eram altos demais. O que era então? Um lugar habitado onde não havia ninguém, um lugar deserto onde havia alguém, a noite mais selvagem que uma selva, o dia mais sombrio que um cemitério "(DUBECH-D’ESPEZEL apud BENJAMIN, 2000 p.195).
Uma imagem-síntese de O homem das multidões (2014), de Cao Guimarães e Marcelo Gomes, poderia ser a de Juvenal, o metroviário solitário, perambulando pelas ruas de Belo Horizonte submerso no meio da multidão, tendo como foco Juvenal, e os demais passantes tão embaçados que mais parecem fantasmas. Essa imagem transmite a sensação impregnada no conto homônimo de Edgar Allan Poe que inspirou a temática do filme e sobre a qual escreveu Benjamin (2000) em suas análises da obra de Baudelaire: o sentimento de estar só no meio de tanta gente, a multidão como uma massa amorfa de passantes indiferentes uns aos outros. Para transmitir essa experiência, o filme recorre à subjetiva indireta livre, definida por Pasolini (1982) como um estilo que entra em fase com a percepção de um personagem, de modo a não haver uma distinção entre a objetividade do mundo e a subjetividade do protagonista, no caso, Juvenal. Considerando o filme, do ponto de vista formal, como uma sucessão de blocos de espaço-tempo, nos termos de Noel Burch (1973), analisaremos o modo como a subjetiva indireta livre narra a experiência tendo em vista a constituição do espaço e do tempo fílmicos. Juvenal vive deambulando pela estação de metrô, enquanto sua amiga, Margô, passa o dia observando as imagens das câmeras de vigilância da estação. Desenraizados na própria cidade, os personagens passam os dias num espaço que é um lugar de passagem. Em O homem das multidões há uma dialética entre a solidão dos personagens e a presença da multidão, dando a ver uma atmosfera contaminada pelo spleen, ou, como analisa Leandro Konder (1999) sobre a obra de Benjamin, um sentimento de catástrofe constante vivido na grande cidade, onde a solidão convive com o individualismo das relações competitivas do mundo capitalista. Belo Horizonte surge como uma paisagem de concreto que Juvenal frequentemente contempla (entre a indiferença e a observação) da varanda do seu quarto como se fosse oprimido pelos grandes edifícios ao seu redor. Assim, a escolha dos diretores por uma exibição num formato de um quadro verticalizado, em vez da costumeira tela de cinema horizontalizada, poderia nos remeter tanto aos formatos das imagens de telas de celulares, como também finda por reforçar um “espaço vertical” resultante do amontoado de altos edifícios na cidade; e também causa certo estranhamento no espectador, reforçando o quadro como limite da imagem através das suas bordas, e o quadro como janela, ou o que nos dá a ver o mundo, nos termos de Jacques Aumont (2004). Em seus longos planos que fazem sentir a passagem de tempo e apresentam a banalidade do cotidiano dos personagens, como na cena, filmada em plano-sequência, em que Juvenal caminha sobre os trilhos da estação até adentrar no metrô e abandonar o quadro, este filme traz uma temporalidade impregnada pelo spleen, um sentimento de tédio na metrópole vivenciado como um sono coletivo, pois, como afirma Benjamin, “nada entedia mais o homem comum do que o cosmos. Daí resulta a íntima ligação, para ele, entre tempo e tédio” (BENJAMIN, 2006 p.142). Lembrando que Benjamin situava a vivência do tédio no contexto do trabalho repetitivo e infinito na fábrica. Tal como Margô e Juvenal, que levam a maior parte da vida aprisionados numa estação de metrô. |
|
Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável – cinema e pintura. São Paulo: Cosaac & Naify, 2004.
|