ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Os silêncios de Stalker e as perspectivas de Gumbrecht para o Stimmung |
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Autor | Pablo Alberto Lanzoni |
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Resumo Expandido | Em meu trabalho de tese, tenho dedicado-me às marcas do silêncio que emergem de Stalker (1979) de Andrei Tarkovski. No filme, a ação dramática decorre no período de um dia, do despertar ao adormecer do stalker, em um fluxo de tempo contínuo onde tudo parece estar interligado. A eleição de planos-sequências, deixando a técnica plano/contraplano como um recurso de exceção, oferece ao espectador a oportunidade de investigar o dramatismo do plano em si, para além das referências habituais, permitindo-o adquirir consciência sobre o espaço fílmico e sua duração, em uma narrativa que parece não possuir lapsos. Tais características permitem-nos concentrar à cena, às expressões, aos diálogos e aos elementos sonoros nunca ociosos que precisam ressoar num espaço amplo, pausado e pleno de silêncio, no qual se acomodam os sentidos, enquanto a câmera observa e convida-nos a observar.
Contudo, antes de esmiuçar as personagens, de aprofundar o enredo ou avançar sobre a decupagem técnica das cenas, gostaria de investir sobre o exame das atmosferas que emergem da impressão de silêncio oriunda do filme valendo-me das aproximações ao Stimmung efetuadas por Hans Ulrich Gumbrecht (2014). Em seu exercício, Gumbrecht vale-se das palavras de origem inglesa climate e mood para descrever a atmosfera como algo que pode estar diluído e imperceptível em uma situação ou em um texto, como, por exemplo, aquele ‘ar’ que se percebe em momentos de desespero ou de melancolia. A Gumbrecht interessa criar mecanismos que permitam ler a dimensão material da Stimmung, o modo como ela produz presença. O termo mood define a Stimmung como “um sentimento íntimo tão privado, que, para sua definição, não se encontram facilmente conceitos adequados” (GUMBRECHT, 2010, p. 10). Climate, por sua vez, permite a Stimmung corresponder a algo de objetivo, uma dada disposição que pode ter uma determinada influência física sobre indivíduos e grupos. Uma Stimmung pode ser localizável em diferentes camadas culturais de uma época, como o ‘tom’ de uma presença material, como uma atmosfera, que define a relação de um texto com o seu ambiente. Examinar as atmosferas significa entender dado objeto não como alegoria de um tempo histórico, mas buscar a concretude de seu timbre no presente da fruição, resgatando sua produção de presença. Chegando aos estudos do audiovisual, temos em Inês Gil (2005) aquela que aponta para o silêncio como um criador de atmosferas no cinema. Sob sua perspectiva (GIL, 2005), a atmosfera é um sistema de forças, sensíveis ou afetivas, que resultam num campo energético circundante a um contexto determinado. Na sala de projeção, o espectador percebe a atmosfera de um filme, ou de uma cena, segundo critérios pessoais que serão projetados na tela durante a sessão. Contudo, a atmosfera não é uma questão estritamente narrativa, pois ela é do domínio da sensação. Ela exprime, mas não através de um discurso, mesmo que figurativo, e permanece imaterial e intangível. Ao explorar os vieses da atmosfera cinematográfica, Gil (2005) infere que o silêncio e a consequente constituição de uma atmosfera silenciosa para determinadas obras adquire legitimidade apenas com o advento do cinema sonoro, pois, com ele, o realizador poderia utilizar-se do silêncio com fins estéticos. Por outro lado, o silêncio, como elemento que permite ao espectador fundir-se à imagem fílmica, possibilita que o mesmo receba impressões que estão completamente neutras, ou não-contaminadas de efeitos acústicos, fazendo com o que passa diante de seus olhos conduza a outros caminhos. A intenção desta apresentação é lançar alguns apontamentos decorrentes de tais aproximações, fortalecendo as apropriações dos estudos de cinema sobre as proposições de Gumbrecht para o Stimmung, tendo no silêncio, exemplificado por um exemplo da filmografia de Andrei Tarkovski, o vértice mais pontiagudo desta discussão. |
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Bibliografia | GIL, Inês. A atmosfera no cinema: o caso de A sombra do caçador de Charles Laughton entre onirismo e realismo. Braga (Portugal): Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
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