ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Nobody’s Business: performance e fabulação no som |
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Autor | Glauber Brito Matos Lacerda |
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Resumo Expandido | Ao se debruçar sobre o documentário moderno, Deleuze afirma que o cinema de realidade herdou da ficção um modelo de verdade com base na conexão sensório-motora, isto é, no encadeamento de planos para se descrever o movimento. Contudo, na década de 1960, houve uma inflexão no domínio documental, verificável na obra de realizadores como Jean Rouch e Pierre Perrault. Estes realizadores não estavam mais interessados em registrar a realidade com base no modelo de verdade adotado pelo cinema clássico, em que as câmeras subjetivas e objetivas se colocavam em função de um regime orgânico das imagens. O que os interessavam era indeterminação entre o cineasta e seu objeto e a capacidade do personagem documental fabular sobre sua própria vida:
(...) Quando Perrault se dirige a suas personagens reais do Quebec, não é apenas para eliminar a ficção, mas para libertá-la do modelo de verdade que a penetra, e encontrar ao contrário a pura e simples função de fabulação que se opõe a esse modelo. (Deleuze, p.183-184, 2005) A função de fabulação está presente em Pour la suite du monde (Michel Brault/Marcel Carrière/Pierre Perrault. Canadá, 1963), quando os realizadores registram o processo em que os anciões de uma ilha de Quebec ensinam os jovens como pescar a beluga, prática já extinta naquela comunidade. Não se almeja, entretanto, a coerência do todo filmado para se produzir um efeito de verdade com base na conexão sensório-motora, e sim a habilidade dos personagens em recriar sua própria história. Em suma, para Perrault: “(...) O que o cinema deve apreender não é a identidade de uma personagem real quando ela própria se põe a ‘ficcionar’, quando entra ‘em flagrante delito de criar lendas’, e assim contribui para a invenção de seu povo” (Deleuze, p.184, 2005). Em Nobody’s Business, Alan Berliner não se empenha em “inventar” necessariamente seu povo, mas a si mesmo. O eixo central da narrativa é uma entrevista do cineasta com o seu pai, Oscar Berliner, e aborda temas como a história da imigração da família judia – oriunda do leste europeu – para os Estados Unidos, o romance do pai com a mãe, as relações consanguíneas, a solidão do pai ao divorciar e, evidentemente, a própria vida de Alan. Bill Nichols (p.170, 2012) classifica de performático tais documentários em que o próprio realizador atua como elemento fundamental do filme e enfatiza as “(...) características subjetivas da experiência e da memória”. Assim como no cinema de Perrault, Alan Berliner não persegue um efeito de verdade através de um todo orgânico que se articula a fim de fundar uma narração. A fabulação está evidente na articulação de sons e imagens na montagem anti-naturalista do filme. Imagens montadas sob o ritmo de metrônomos e toques de máquinas de escrever, além de outras composições como, imagens antigas de rádio que emanam músicas não com o timbre comum do aparelho, mas de trecho do som direto de alguma entrevista, tornam perceptível a fabulação, indefinição do real e do ficcional. Uma miríade de sons e imagens que postos em camadas revelam não mais um “real bruto” dos dois personagens, pai e filho, mas um devir existente entre ambos, como afirma Deleuze (p.185, 2005): “Se a alternativa real-fictício é tão completamente ultrapassada é porque a câmera, em vez de talhar um presente, fictício ou real, liga constantemente a personagem ao antes e ao depois que constituem uma imagem-tempo direta”. A questão que surge, neste trabalho, é: como a banda sonora contribui com a função fabuladora da história familiar de Berliner em Nobody’s Business? A partir de conceitos estabelecidos por Michel Chion (2011), como “valor acrescentado”, ou seja, a capacidade do som enriquecer a imagem ao ponto de produzir a sensação de ser inerente à mesma - e de outras categorias apresentadas pelo autor de A Audiovisão -, este trabalho busca compreender as nuances da fabulação no som do filme performático de Berliner. |
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Bibliografia | CHION, Michel. A audiovisão: som e imagem no cinema. Lisboa: Texto&Grafia, 2011.
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