ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | O cinema e o direito `a morte: Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa |
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Autor | Michelle Cunha Sales |
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Coautor | Saulo de Araujo Lemos |
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Resumo Expandido | Em seu último filme, Cavalo Dinheiro (2014), Pedro Costa dá continuidade ao intenso diálogo com a cultura caboverdiana sobretudo através do personagem Ventura, também central no filme anterior Juventude em Marcha (2006). Este ensaio pretende explorar e aprofundar a relação entre estes dois filmes, como também refletir acerca do percurso dramático do personagem Ventura nos filmes de Pedro Costa, metáfora histórica de Portugal, principalmente neste ultimo filme de Costa, momento no qual o realizador desenvolve uma profunda reflexão acerca do processo social pós 25 de Abril para enfim discorrer sobre os enfrentamentos políticos que a Arte contemporânea sofre, de maneira ampla e em relação estreita com o cinema que Pedro Costa logrou realizer.
Desde Casa de Lava (1994), filme que levou Pedro Costa a aproximar-se de Cabo Verde, o realizador português tem utilizado o crioulo caboverdiano como “língua oficial” de alguns de seus filmes numa tentativa de fazer continuar viva uma língua que, assim como Portugal, apodrece por dentro, segundo o próprio realizador. Em entrevista recente, Pedro Costa conclui certa sensação de fracasso que queremos explorar, cuja morte é metáfora sempre presente, não apenas para o português mas também para o europeu de forma mais geral. No cinema contemporâneo, o português Pedro Costa tem desenvolvido uma proposta artística de radicalidade experimental com nuanças específicas. Em seu longa-metragem mais recente, Cavalo dinheiro (2014), a errática narrativa do envolvimento do personagem Ventura com o 25 de Abril apresenta a transformação de um cotidiano pequeno-burguês em espaço-tempo de crise no qual os limiares entre vida e morte, presente e passado, luz e sombra, movimento e imobilidade, parecem se dissolver e ressurgir em pulsação contínua, e o cinema surge na entrelinha entre os gêneros da fotografia ou da tela pintada e a narrativa audiovisual convencional, “cinética”. E se, por outro lado, em lugar de tentar apontar na linguagem dessa obra uma cifra hermética para acontecimentos históricos e dramas pessoais, lêssemos nela uma potência de inquietação política de linguagem por causa da própria impossibilidade de depurar o trauma pelo ato de narrá-lo, de contabilizar a perda irremediável mesmo que pela memória,de retomar o fluxo do tempo, que está suspenso como num cd arranhado? No caso de Cavalo dinheiro, e possivelmente de uma parte significativa da produção atual, o jogo artístico se faz no lapso, entre a plena posse do discurso e o golpe que fere, entre História e Arte (a qual é uma dobra, um corpo estranho, um tumor da própria História). Este trabalho visa, assim, discutir o filme mencionado de Pedro Costa como um conjunto (e que também é um plano contínuo, apesar de todas as fissões internas) de subjetividades e significações em abalo, categorias em crise que se abrem em devir, em sua perturbação essencial, como condição de sua sobrevivência, ou de qualquer sobrevivência, no durante da película. Enfatizaremos, em nosso estudo, os jogos entre luz e sombra, cena estática e movimentos de câmera, palavra e silêncio, corpo do ator e cenário, que tanto são ruídos ou espaços em branco como são gatilhos para o próprio filme, o qual assim se constrói como uma espécie de rede de oposições, de confrontos e de transmissões associativas, de recorrência da dissonância, de acúmulos informativos não-sistemáticos que ecoam as tentativas de comunicação e o isolamento contemporâneos. |
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Bibliografia | BLANCHOT, Maurice. L’écriture du désastre. Paris: Gallimard, 1980.
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