ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | FLUXO E CONTRAFLUXO DOS GÊNEROS EM DOIS FILMES DE TIM BURTON |
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Autor | Bernadette Lyra |
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Coautor | Gelson Santana |
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Resumo Expandido | Neste trabalho, partirmos da premissa que a imagem e a instituição cinematográficas, historicamente situadas, são fomentadoras da repartição genérica, ao longo de seus surgimento e implantação. A indústria cinematográfica se organizou em torno da experiência da repetição do espetáculo cinematográfico, antes mesmo de se ocupar com as particularidades dos filmes. Essa dupla instância criou um público cindido entre a estabilidade e a variação, contribuindo para a ideia de gêneros. O cinema americano, em especial, tornou-se um celeiro de gêneros, a partir de uma época que o estilo opulento das “majors”, como a MGM, convivia com as estratégias de algumas empresas menores, como a Warner, que investiam na tecnologia como forma de diferenciação. Assim, o programa generalista se institui à medida que a matéria fílmica vai sendo experimentada e que o gênero, como prática de formato (policiais, musicais, melodramas, comédias românticas etc.), começa a se evidenciar, inclusive junto ao reconhecimento do público. Nesse cenário teórico, situamos os filmes de gênero como um território de constante experimentação das formas. Em especial, por parte de cineastas que enfraquecem a imanência de uma “função-autor” (Foucault, 1992). O americano Tim Burton pode ser considerado um desses. Entre seus filmes, escolhemos a ficção científica Marte Ataca! (1996) e o musical Sweeney Todd (2007), em que se evidencia a constante versão/inversão do cânone, tanto em nível de técnica quanto de construção. Marte Ataca! não existiria sem efeitos especiais. O filme, porém, é trabalhado de modo a não mostrar os efeitos especiais como um espetáculo, tal como Godzila,1998, de Roland Emmerich, por exemplo, mas como uma reflexão sobre o cinema e suas técnicas. Uma espécie de remake de Guerra dos Mundos (1953) de Byron Haskin, Marte Ataca! engloba diversos tiques de filmes fantásticos e de ficção científica: a narrativa se encaminha para o confronto de terráqueos e extraterrestres; os marcianos são estereotipados, pequenos, filiformes, verdes e com um cérebro hipertrofiado; os terráqueos vencem ao final. Mas, tudo se passa às avessas: os marcianos não têm ar de maus nem de bons, confundindo o presidente dos EEUU, na cena em que a paz entre os mundos é proposta; eles se imiscuem nas casas dos terráqueos, passam a imitá-los, leem Playboy e choram; são combatidos por jovens treinados em tiroteio de games e, ao final, são destruídos e explodidos por uma xaroposa canção, “Indian love call”, na versão do cantor cowboy Slim Whitman (1952). Sweeney Todd (2007) não existiria sem os protocolos-padrão do cinema musical hollywoodiano. No entanto, o filme é um musical hesitante, que reluta em assumir-se como tal, preferindo mover-se no contrafluxo do gênero. Sweeney Todd fixa-se no passado diacrônico ao invés de colocar-se no presente sincrônico. Ou seja, ao invés de tratar o gênero musical como um espaço em progressiva expansão, trata-o em definitiva contração. O filme se faz presente ao se pensar a partir de uma memória do passado dos filmes de horror. Nele, tudo parece pertencer a uma história contada que remete a um passado impreciso. Ao contrário do musical padrão que tende, no fim, para a harmonia e o coro coletivo, em Sweeney Todd as vozes estão sempre solitárias e desagregadas. A imagem do horror está no passado, englobando filmes como Freaks (1932), de Tod Browning ou The Rock Horror Picture Show (1975), de Jim Sharman, entre outros. Assim, o musical se volta para o passado genérico, não para parodiar mas simplesmente para se ambientar. No entanto, toda a vilania pertence àqueles que têm memória e uma história já vivida. E todo heroísmo àqueles que têm ainda uma história para construir.
Enfim, esses dois filmes são exemplo de como Tim Burton faz uso perverso do estatuto genérico para intervir criticamente no faz-de-conta que o cinema, institui. |
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Bibliografia | BORDWELL, David. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas (SP): EdUnicamp, 2013.
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