ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Orí e as vozes da diáspora: feminismo negro, identidade e filme ensaio |
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Autor | Gilberto Alexandre Sobrinho |
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Resumo Expandido | Em 1989, Raquel Gerber lançou Orí, um documentário cujas filmagens iniciaram em 1977 e terminaram em 1988, compondo 11 anos de registros dos movimentos sociais de negros no Brasil. Nesse longo intervalo, o filme testemunhou importantes fatos históricos. Destaco três marcos, o surgimento do Movimento Negro Unificado, em 1978 – o MNU –, nesse mesmo ano definiu-se o Dia Nacional da Consciência Negra e no final da década de 1980, ocorreu o centenário da Abolição em 1988, portanto, esses e outros acontecimentos ataram o filme ao processo de renascimento, reorganização, fortalecimento e debates sobre o movimento negro ainda no contexto da ditadura militar e testemunhamos os eventos que denunciavam publicamente o racismo na sociedade brasileira, bem como almejou-se desconstruir o mito da democracia racial nos cem anos da Lei Áurea, já no período de redemocratização do país.
O registro de um processo de realização com duração extensa, onde se localizam pessoas, cenas, eventos culturais, políticos e acadêmicos e lugares no território brasileiro e em países africanos, de maneira tal que se encadeiam em um amplo repertório de imagens e sons ligados à cultura afro-brasileira resultou num filme caleidoscópico e longe de oferecer um tratamento linear sobre o tema, houve a preferência em construir uma abordagem multifacetada. Trata-se de um trabalho colaborativo que conjuga o olhar de uma cineasta branca interessada num elemento fundamental da formação cultural brasileira e uma intelectual, poetisa e professora de história negra, Beatriz Nascimento, cuja participação incluiu o registro de sua atuação em debates e aparições públicas e, principalmente, a elaboração do texto do filme, narrado por ela mesma. Desse encontro, surgiu um documentário interessado numa construção singular sobre a compreensão da diáspora africana e a cultura brasileira. Realização feminina rara até então, no horizonte do longa-metragem documentário, num universo dominado por homens, Orí é protagonizado por duas mulheres, sendo dominante as ideias, a vida e a visão de mundo de Beatriz, cuja narração oferece extratos de seu pensamento original sobre a continuidade e a atualidade dos quilombos, a defesa do que ela denominava a civilização “transatlântica”, o jogo entre a visibilidade e a invisibilidade da mulher negra e outros elementos. Temos, assim, uma realização bastante particular e distintiva no quadro geral da filmografia brasileira: o filme inscreve a materialidade da voz de Beatriz que, por sua vez, faz comunicar seu próprio corpo e pensamento sobre a diáspora africana e os sentidos da continuidade da ancestralidade. Esse olhar duplamente feminino e feminista sobre a história constitui-se num deslocamento radical pelo transbordamento subjetivo que alia o artístico e o político, manifesto na narração poética, nas imagens de forte efeito estético e nas músicas selecionadas. O fluxo de ideias se conectam de forma vibrante com o tecido das imagens e com a música original de Naná Vasconcelos, entre outras referências disponíveis. A partir dos conceitos de Rascaroli (2008) e Corrigan (2011) analiso Orí, nos domínios do filme ensaio, pois o filme é denso na carga subjetiva e performática ao apresentar seu conteúdo, o que não diminui seu vigor político e estético, ao contrário, faz vibrar esses dois elementos de forma fragmentária e porosa, oferecendo ao espectador a potência das conexões e dos fluxos não lineares. Essa carga poética carrega também um forte trabalho com o ponto de vista, sendo que a abordagem desenvolvida posiciona o filme no âmbito do feminismo negro (Carneiro, 2003), faz pensar a relação entre a mulher negra e a imagem em movimento na não ficção (Gibson, 1999), além de haver um forte diálogo com o pensamento de Stuart Hall (1990, 2013) em relação à diáspora, à cultura e às construções de identidade. |
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Bibliografia | CARNEIRO, S. Mulheres em movimento. Estudos Avançados. Volume17, número 49, Setembro/ Dezembro, 2003, p.117-133
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