ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Trilogia da vida: o corpo subversivo em Pasolini |
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Autor | Daniela Duarte Dumaresq |
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Resumo Expandido | A “Trilogia da vida” é composta pelos filmes: “Decameron” (1971), “Os contos de Canterbury” (1972) e “As mil e uma noites” (1974). Os três filmes recorrem aos contos literários e histórias do passado para falar de um liberdade que se perdia na sociedade de consumo. Em suas adaptações, Pasolini reforça o lugar do erotismo e a força do humor a fim de combater certa ordem da sociedade industrial com um anarquismo arcaico.
Com sua trilogia, Pasolini foi acusado de inaugurar e incentivar o filão erótico no cinema e de abandonar um posicionamento político claro. Nesses filmes ele mistura erotismo, humor e herança picaresca para falar de uma liberdade que se inicia no corpo. Ele acredita nesse momento na força subversiva do sexo. Mostra nesses filmes um sexo idílico, livre de todas as complicações que o possam circundar: doenças, gravidez indesejada, corpos reprimidos, almas controladas. No entanto, todo o poder subversivo imaginado por Pasolini foi rapidamente consumido por uma sociedade que transforma tudo em mercadoria. Sua “Trilogia” foi um sucesso no novo cenário de consumo: o da tolerância. Ao passar a ser tolerado, o sexo também encontra seu lugar no mercado. O corpo passa a ser construído para esse novo mercado de sexo. Escreve Pasolini em sua abjuração: “Durante alguns anos foi-me possível iludir-me. O presente degenerante era compensado quer pela objetiva sobrevivência do passado, quer, por conseguinte, pela possibilidade do passado de revogá-lo. Mas, hoje, a degeneração dos corpos e dos sexos assumiu valor retroativo. Se aqueles que então eram assim e assim, quer dizer que o eram já potencialmente: portanto também o seu modo de ser de então é desvalorizado pelo presente.” Para Pasolini já não há força libertadora nem em outro tempo, um arcaísmo que sobreviveria, nem em outro lugar, nas periferias que foram os últimos rincões a serem tocados pela sociedade de consumo. Resta-lhe abjurar. Os termos da abjuração são bastante conhecidos e o grande ato desse gesto fez-se com “Saló”, último filme de Pasolini. No entanto interessa-me aqui retornar a “Trilogia da vida” e entender os elementos subversivos que Pasolini via nos corpos e no sexo. Para tanto gostaria de recorrer à reflexão que Foucault (2013, p. 16) faz sobre o ato amoroso: “Seria talvez necessário dizer também que fazer amor é sentir o corpo refluir sobre si, é existir, enfim, fora de toda utopia, com toda densidade, entre as mãos do outro. Sob os dedos do outro que nos percorrem, todas as partes invisíveis de nosso corpo põem-se a existir, contra os lábios do outro os nossos se tornam sensíveis, diante de ‘seus’ olhos semicerrados, nosso rosto adquire uma certeza, existe um olhar, enfim, para ver nossas pálpebras fechadas. O amor, também ele, como o espelho e como a morte, sereniza a utopia de nosso corpo, silencia-a, acalma-a, fecha-a como se numa caixa, tranca-a e sela. É por isso que ele é parente tão próximo da ilusão do espelho e da ameaça da morte; e se, apesar dessas duas figuras perigosas que o cercam amamos tanta fazer amor, é porque no amor o corpo está ‘aqui’.” “Estar aqui”, seria o gesto subversivo por excelência de um corpo que evoca presença e inteireza em uma sociedade que o esquarteja e o molda. O texto de Foucault data de 1966, antecede em cinco anos o libelo libertário de Pasolini. No entanto, a reflexão de Foucault diz de um gesto que resiste. Pasolini associa a esse gesto a sátira, o humor, o riso. A análise fílmica procura compreender como Pasolini apresenta nesses filmes um conceito de liberdade que parte do corpo, portanto do indivíduo, em sua face sexual, mas também do coletivo em sua face risível, entendendo que não há humor fora da vida comunitária. |
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Bibliografia | BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1999.
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