ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | "Subjetividade de classe" - o individual e o coletivo no documentário |
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Autor | Mariana Souto |
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Resumo Expandido | O presente trabalho pretende observar a constituição de alguns filmes contemporâneos que combinam algo que pode parecer, a princípio, paradoxal. De um lado, a recuperação da tradição do documentário moderno brasileiro e seu interesse pelas relações entre as classes sociais, um viés politicamente engajado e militante, a tentativa de debate de questões macrohistóricas; de outro, o foco nas individualidades, as inflexões subjetivas, a influência dos filmes-diário, a hipertrofia do eu, tão características do documentário contemporâneo. Temos, portanto, filmes em que se produz uma espécie de “subjetividade de classe” ou “singularidade de classe” (FELDMAN, 2013), uma conciliação entre perspectivas micro e macro, entre o individual e o coletivo.
Para entender essa curiosa mescla e situá-la em seu tempo, faz-se importante um pequeno recuo histórico, entendendo o percurso do documentário brasileiro nas últimas décadas. Lembremos que a produção cinematográfica dos anos 1960 foi constantemente analisada a partir da chave do “modelo sociológico”, em que eram recorrentes uma visão ideológica da sociedade, o esmagamento das singularidades pela perspectiva de totalização, pessoas servindo de matéria-prima à construção de tipos (BERNARDET, 2003). É significativo desse período a ênfase nas generalizações e nas compreensões globais. Se nos anos 1960, e ainda nos 1970, questões ideológicas e classistas eram acionadas e ressaltadas nas análises fílmicas, a partir dos anos 1980 e, notadamente, dos anos 1990, o cinema brasileiro foi pautado pela tendência da particularização do enfoque, recortando temas em biografias, atento à expressão peculiar de sujeitos específicos (MESQUITA, 2010). Isto é, distanciando-se do modelo sociológico e de uma inspiração marxista, o cinema se aproximava agora de abordagens e influências de teor mais antropológico (XAVIER, 2006). Tal mudança de perspectiva é correlata de processos nas ciências humanas, no que se conhece por virada subjetiva (SARLO, 2007). Eis que, sobretudo a partir dos anos 2000, surgem alguns filmes brasileiros de grande reverberação que recolocam fortemente a problemática das classes sociais – ainda que em outros termos e sob outras formas. Santiago (João Moreira Salles, 2007), Babás (Consuelo Lins, 2010), Doméstica (Gabriel Mascaro, 2012), entre outros, parecem menos últimos suspiros de uma discussão que vinha expirando e mais focos de uma possível retomada de algo que desponta agora com nova força e novas formulações – depois de uma virada subjetiva, estaríamos começando a presenciar indícios de uma pequena “reviravolta coletiva”? Convém saber de que modo têm aparecido tais questões num momento já muito distante do modelo sociológico e indagar por suas especificidades, marcas, características atuais. Se a classe retorna hoje, parece que não é sob a forma da totalização e do diagnóstico, mas numa atenção detida aos personagens, às relações entre indivíduos, frequentemente de forma intrincada à intimidade e ao afeto. Esse retorno das questões sociais e de classe sugere uma passagem à observação em escala reduzida, com profundidade de análise em microuniversos, atenção ao empírico e valorização do detalhe. Nos filmes citados, interessa-nos analisar como, a partir da lida com relações pessoais, muitas vezes em âmbitos privados ou com implicação íntima do diretor (Consuelo Lins filma suas próprias babás, João Moreira Salles filma seu próprio mordomo, os adolescentes filmam as empregadas domésticas que trabalham em suas casas), os filmes constroem um discurso a respeito das relações de classe de maneira mais ampla? Como, em termos de estratégias fílmicas, construção documental, narrativa e montagem, são realizadas esses deslizamentos entre a esfera individual e a coletiva/nacional? |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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