ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A voz como ruído no sound design de Alan Splet para David Lynch |
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Autor | Fabiano Pereira de Souza |
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Resumo Expandido | Alan Splet participou de 25 produções como sound designer ou editor de som. A primeira foi o quarto curta-metragem dirigido por David Lynch, The Grandmother(1970). Com Lynch ainda trabalhou nos longas-metragens Eraserhead (1977), O homem elefante (The Elephant Man, 1980), Duna (Dune, 1984) e Veludo azul (Blue Velvet, 1986).
Falecido em 1994, Splet é lembrado sobretudo por essa parceria. Ao valorizar ruídos e ambientes sonoros, em determinadas cenas Splet trabalhava a voz de modo distinto das soluções habituais de sincronismo, clareza e verossimilhança adotadas desde o início do chamado cinema sonoro, parte predominante dos próprios filmes de Lynch. Consideremos a distorção da voz na pós-produção ou a sua substituição por outros tipos de ruído, geralmente animalescos. A paridade entre deformação física e vocal é recorrente nos gêneros horror e ficção científica. Dois exemplos famosos são a menina possuída de O Exorcista (The Exorcist, 1973) e o Darth Vader de Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977). A animalidade ou bestialidade é o efeito mais recorrente para confirmar o ódio e a agressividade de personagens que antes as desconheciam ou dissimulavam. A voz funciona como um elemento adicional que as aproxima do reino animal selvagem e confirma o caráter de ameaça que a imagem já mostra. Outra vantagem dos sons animalescos sobrepostos ou no lugar da voz, quando não há algum bicho fora do quadro, é a “leitura” que eles propiciam na audição do espectador, por partirem de bocas ou órgãos equivalentes, como bicos. Sons de outra natureza poderiam confundir o espectador, parecendo partir da diegese extra-campo, num volume superior ao das vozes. Personagens com aspecto visual intacto, mas voz distorcida ou trocada por sons animais, configuram raridade ainda mais específica. São uma das peculiaridade do trabalho de Splet com Lynch. Em The Grandmother, o casal produz movimentos e ruídos caninos – ou vozes distorcidas para esse efeito. O assobio da avó soa com um canto de pássaro. Embora rico em atmosferas sonoras, Eraserhead não traz personagens com aparência humana e voz distorcida, apenas um bebê deformado que chora como uma criança. Na sequência inicial de O homem elefante, uma mulher grita e se debate no chão, imagem sobreposta às de elefantes caminhando enquanto ao fundo ouve-se bate-estacas. Em vez da voz dela, Splet adotou sons que soam como grunhidos animais – talvez dos elefantes, mas sem sincronia clara. Em Duna, as distorções da voz em tom de ameaça são corriqueiras. Sem alterações visuais sincrônicas, ela assume um tom rouco, semelhante a um grunhido, para revelar a bestialidade contida em rostos impassíveis. Talvez seja até mais interessante como Splet constrói essas vozes distorcidas. Elas reverberam, tornando-se o único som ambiente. Numa cena de sexo em Veludo azul, Dorothy Vallens (Isabella Rossellini) pede a Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan) que bata nela. Jeffrey se recusa, ela se enfurece, ele fala em chamar a polícia, ela implora para que Jeffrey não faça isso. Vemos uma vela acesa ao vento. Há um embate entre os dois e o tapa acontece. Assim como em O homem elefante, a cena passa em câmera lenta. Um sorriso de prazer da moça é sonorizado com um ruído distorcido, talvez mistura de rugido de animal e vento. Entra em cena uma imagem de explosão, que aparece brevemente. As soluções de Splet deixaram resquícios na filmografia de Lynch mesmo após o fim da parceria. Seu trabalho complementa a tese de cinema limítrofe de Rogério Ferraraz sobre a filmografia de Lynch (FERRARAZ, 2003: 165), em que os filmes combinam elementos distintos que os colocam entre fronteiras de gênero, com recorrentes referências ao surrealismo. Splet trouxe construções sonoras restritas ao universo do cinema independente a filmes produzidos com estrutura de estúdio. A voz no sound design de Splet é outro elemento limítrofe que reflete a estrutura dos enredos e das narrativas de Lynch. |
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Bibliografia | ALTMAN, Rick (org.). Sound Theory - Sound Practice. Nova York: Routledge, Chapman and Hall, 1992.
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