ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A memória e a fabulação partilhadas: Ela volta na quinta e Castanha. |
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Autor | maria henriqueta creidy satt |
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Resumo Expandido | Castanha, de Davi Pretto (2014, Porto Alegre/RS), e Ela volta na quinta, de André Novais Oliveira (2014, Contagem/MG), integram um campo de filmes recentes da produção brasileira que operam em um registro híbrido, investindo na mestiçagem entre o real e o imaginário, na indiscernibilidade entre a dimensão documentária e a ficcional, bem como na participação de não atores que atuam, em seu próprio universo, dramas íntimos e pessoais. Girimunho, de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr, 2011; Céu sobre os ombros, de Sérgio Borges, 2011; Ventos de agosto, de Gabriel Mascaro, 2014; A cidade é uma só, 2011? e Preto sai, branco fica, de Adirley Queirós, 2014, entre outros, compõem essas produções.
Com grande parte do elenco de sua própria família (pai, mãe, irmão, esposa e cunhada) e de amigos próximos, Ela volta na quinta evoca elementos do cinema documental doméstico (ODIN, 1999), em uma estrutura narrativa que emprega artifícios da ficção (narrador neutro, posições de câmera, enquadramento, montagem etc.). O filme nos leva a pequenos dramas cotidianos que orbitam em volta do núcleo familiar do realizador: a insatisfação com o trabalho, o problema de moradia e, o que se mostra o conflito central, a preocupação com a crise conjugal dos pais. É também por esse caminho fabulatório que nos conduz Pretto com Castanha, ator e transformista que empresta seu nome à obra. O filme perambula com Castanha pela cidade, em seus shows nas casas noturnas e atividades profissionais, convocando não atores ou seus amigos atores a serem personagens de si mesmos. É também na intimidade de sua casa que emergem os grandes conflitos: o sobrinho drogado e explorador, o espectro de um amigo morto que volta a assombrá-lo, os medos da morte, tanto a sua quanto a de sua mãe que, endossando uma recorrência em vários filmes citados acima, acaba por morrer. Contudo, as apostas formais de Pretto encaminham um registro distinto ao de Ela volta na quinta, dialogando com uma narrativa mais fragmentada, personagens lacunares, câmeras fixas e planos que investem na duração, e acontecimentos que evocam o imaginário das personagens (e do realizador). Para fins de análise desse campo criativo, esta comunicação pretende refletir sobre e fazer dialogar dois procedimentos conceituais: a tessitura da memória e o processo de criação que envolve filmantes e filmados. Para isso, considerarei as noções de Walter Benjamin, nas quais história e memória são indissociáveis e se constituem no “tempo-agora”. Lanço mão destas concepções com intuito de analisar, nessas obras híbridas, a história “escovada a contrapelo” (BENJAMIN, 2005) por esses homens e mulheres ordinários, com suas histórias mínimas, desenhadas nas narrativas cinematográficas. Elas mesmas, com suas opções temáticas, estéticas e conceituais, expressão de um momento histórico. Da mesma forma, Ela volta na quinta e Castanha atualizam a “dramaturgia do imaginário e da fabulação”, instaurada no documentário moderno, que elevou a memória, os devaneios e a imaginação das personagens ao estatuto de documento (SATT, 2008). Contudo, aqui, a “potência do falso”, que substitui e destrona a forma do verdadeiro, (DELEUZE, 1990) atua como princípio da produção de imagens, envolve filmantes e filmados em uma fabulação partilhada, mobilizadora de afetos, sensações e propostas narrativas gestada desse encontro. |
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Bibliografia | BENJAMIN, W. Teses sobre o conceito de história. In: LÖWY, M. Walter Benjamin: aviso de incêndio – uma leitura das teses “sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.
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