ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Travestir os gêneros. No inquietante domínio de François Ozon |
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Autor | Junia Barreto |
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Resumo Expandido | Em meio a uma época na qual a globalização fomenta a circulação de indivíduos, conhecimentos e técnicas de todo tipo assistimos abater certa uniformidade sobre as práticas de comunicação, assim como a produção de uma verdadeira hibridação cultural mundial. Mas tal fenômeno, acelerado pela velocidade e acessibilidade das redes na contemporaneidade, não aponta, portanto, para uma crise generalizada do gênio criativo. Diferentemente, a sétima arte, cujas estórias tantas vezes se repetem e se reescrevem em seus roteiros, se faz local de invenção, de reinvenção e de atualização do mesmo. Nesse sentido, interessa-nos discutir o filme Une Nouvelle amie (França, 2014), de François Ozon, imaginado inicialmente a partir de uma novela de Ruth Rendell (The new girlfriend, 1985), no qual o diretor recria, com complexidade e finesse, uma estória de travestissement, jogando com os gêneros cinematográficos, mas, sobretudo, buscando quebrar os preconceitos com os gêneros indenitários. O filme, inclassificável nas categorias tradicionais de gênero fílmico e sem pertencimento militante a um mapa cinematográfico específico (neste caso, centrado nos interesses sexuais), estampa na tela uma escritura tecida por uma fina malha de referências e substratos intertextuais (fílmicos, literários e musicais), mas também as marcas da performance cênica. Ozon revela gozar do exercício pleno e prazeroso de sua arte, desconsiderando toda e qualquer tomada de partido entre comédia e drama, entre inocência e perversidade, entre homem e mulher, e outros binarismos mais. O resultado é perturbador e Ozon realiza uma dinâmica fílmica que ultrapassa a ideia de contextos exclusivamente locais ou nacionais, oferecendo ao expectador uma perspectiva essencialmente humana e de caráter transnacional. Voluntária ou involuntariamente, Ozon se inscreve na atualidade social e política do impasse quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e da igualdade de seus direitos, mas parece ir além, ao suscitar a reflexão e o debate público em torno da complexidade do desejo, da multiplicidade das famílias e, por que não, da emancipação de toda sexualidade diante dos entraves familiais, sociais e culturais. Entre diferentes hibridações, entre referências a Fassbinder e Hitchcock, alternando entre o grotesco e o belo, entre risos e lágrimas, o filme, gerador de polêmica em sua recepção, parece executar um venturoso réquiem aos gêneros em todos os seus estados, fazendo uma leitura desestabilizadora sobre as questões de identidade e propondo uma via outra, fundada na tolerância. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Le cinéma et la mise en scène. Paris : Armand Colin, 2006
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