ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A coexistência de estilos em Pier Paolo Pasolini e Ozualdo Candeias. |
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Autor | FABIO RADDI UCHOA |
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Resumo Expandido | Autores como Bakhtin e Auerbach, no campo da literatura, colaboraram para o rompimento da assim conhecida regra da separação dos estilos, uma proposição clássica segundo a qual os assuntos sérios exigem uma linguagem elevada, ao passo que os assuntos mundanos apresentam-se por meio de linguagem simples, sem coexistirem num mesmo patamar narrativo. No início do século XX, Bakhtin coloca a linguagem como matéria social que explicita embates ideológicos, explorando em particular os não limites entre os discursos do autor e do personagem. Em 1941, o filósofo russo exploraria as relações entre grotesco e sublime na literatura de François Rabelais. Nos anos 1950, em Mimesis, Erich Auerbach mapeia a literatura ocidental, identificando as formas pelas quais a humanidade vislumbra-se a si mesma, tendo por termômetro as diferentes interações entre a linguagem culta e o grotesco da vida cotidiana. Nos anos 1970, não sem influências marxistas, o crítico e cineasta Pasolini, retoma tal debate, transpondo-o da literatura italiana para o campo do pensamento cinematográfico. A obra-síntese de tal transposição é Empirismo Eretico, onde o apurado debate acerca do estilo livre indireto é aplicado ao cinema, com a proposta de um cinema de poesia, possuindo entre seus pilares o caráter ambíguo, “dupla natureza” que é ao mesmo tempo extremamente subjetiva e objetiva. Empirismo Eretico representa, assim, o marco inicial para criação de uma metodologia de pensamento e de prática cinematográfica pautada pela noção de coexistência de estilos.
Tendo por base este breve trajeto teórico, testaremos a coexistência de estilos como instrumento de análise, para um estudo comparativo de dois filmes modernos, Accattone (1961) de Pasolini e A margem (1967) de Ozualdo Candeias. As aproximações entre as duas obras não se restringem ao período histórico, anos 1960, incluído também a atenção à exclusão social urbana, colocada indiretamente como reverso do desenvolvimento econômico, uma experimentação de intensidades diferentes envolvendo atores não profissionais, bem como a representação da pobreza a partir de uma linguagem de considerável refinamento técnico. Na obra de Pasolini, abordando-a a partir de Maurizio Viano, podemos identificar uma ambivalência místico-ideológica, que une, por um lado, elementos irracionais e subjetivos com reverberações cristãs, e por outro lado, o desvendamento racional daquilo que é socialmente negado, atentando para a construção ideológica da realidade social. Tal dualidade, no caso de filmes como Accattone, pode ser estudada em suas aproximações, ante à situação sócio-econômica da Itália do período, à posição do próprio Pasolini enquanto intelectual marxista e homossexual, bem como ao posicionamento e tentativa de distinção do poeta-cineasta frente ao neo-realismo. Por outro lado, no caso de A margem de Candeias, trata-se de um filme paradigmático e limítrofe, realizado por um cineasta de influência marcante para o Cinema Marginal brasileiro. Ao apresentar dois casais do lumpemproletariado urbano às margens do rio Tietê, o filme baseia-se numa ambivalência abjeto-sublime. Em outras palavras, A margem une o abjeto da vida varzeana em meio ao lixo, ao sublime do rigor formal e dos sentimentos singelos. Tal ambiguidade é um elemento-chave, para explorar as relações entre o filme e o contexto urbano-cinematográfico, motivando questionamentos acerca: a) das concepções de cinema negociadas entre os paulistas do final da década de 1960; b) das funções sociais da várzea durante o desenvolvimento urbano de São Paulo e suas reverberações sobre o filme; bem como c) acerca do próprio trajeto pessoal de Candeias – um cineasta/caminhoneiro. Com a devida contextualização de cada obra, levando em conta tais noções de ambiguidade (mistico-ideológica em Pasolini, abjeto-sublime em Candeias), buscaremos as aproximações, diferenças e iluminações mútuas entre os dois filmes estudados, sob o ponto de vista particular da coexistência de estilos. |
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Bibliografia | AUERBACH, E. Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 2007.
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