ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A identidade chilena no filme Tony Manero (2008), de Pablo Larraín |
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Autor | Vinicius de Araujo Barreto |
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Resumo Expandido | A desconfiança platônica da representação poética inaugurou uma longa tradição de pensamento que vê nas imagens uma forma de ocultamento das essências. N'A República, Platão tece sua crítica à representação do mundo pela epopeia baseado no conceito fundante de mimesis. Segundo Eric Havelock, a mimesis denota, em Platão, “o ato integral da representação poética, e não mais apenas o estilo dramático” (Havelock, 1996, p. 42). Trata-se, em última instância, de conceber a representação como impedimento do acesso do espectador às essências. Jacques Rancière define como "regime ético" esta concepção da arte: "Neste regime, a ‘arte’ não é identificada enquanto tal, mas se encontra subsumida na questão das imagens. Há um tipo de seres, as imagens, que é objeto de uma dupla questão: quanto à sua origem e, por conseguinte, ao seu teor de verdade; e quanto ao seu destino: os usos que têm e os efeitos que induzem (...) a ele pertence também toda a polêmica platônica contra os simulacros da pintura, do poema e da cena" (Rancière, 2005, p. 28). Esta arte "didática" pressupõe, também, uma forte presença do autor, já que é ele o enunciador dos efeitos que irão reverberar junto ao espectador. "Tony Manero" (2008) é o primeiro filme de uma trilogia – composta ainda pelos filmes Post mortem (2010) e No (2012) – do diretor chileno Pablo Larraín, que toma como pano de fundo a ditadura de Pinochet. O filme acompanha a trajetória de Raúl Peralta, que pretende participar de um um concurso de sósias do personagem Tony Manero, interpretado por John Travolta no filme "Embalos de sábado à noite". A discrepância entre o mundo de sonhos vendido pelo cinema de massas hollywoodiano e o meio social pobre ao qual pertence Raúl Peralta define justamente esta concepção trágica da busca mimética por um modelo totalmente desvinculado da realidade local – e é em cima desta defasagem, que compromete todo o projeto identitário do protagonista, que irá operar o filme.Retomando a reflexão teórica, a partir da crítica platônica à mimesis para analisarmos Tony Manero, constrói-se a questão central: o filme estaria permeado por este regime ético das imagens de que nos fala Rancière, na medida em que desconfia de um certo espetáculo – o cinema hegemônico hollywoodiano – ao mesmo tempo em que revela esta desconfiança pela afirmação de uma instância autoral, que veicula sentidos de contestação numa chave narrativa alegórica. Ora, para se entender o dilema identitário de Peralta como que representando uma crise mais ampla, a da identidade nacional chilena, vale levar em conta a lição de Jorge Larraín. Segundo o autor (2001), a questão da identidade chilena tem girado em torno do processo de modernização do país. O debate, para o autor, tende para um dualismo que coloca a tradição (a “chilenidade”) como oposta à modernidade. Neste sentido, o caminho para a modernização seria incompatível com valores tradicionais do “ser chileno”. Assim, em momentos de modernização profunda (como foi o da implantação radical do neoliberalismo durante a ditadura de Pinochet) o tema da identidade fica relegado a uma posição secundária, já que seria um entrave ao avanço modernizante. Ora, Peralta, no seu afã de ser o estrangeiro e na sua condição de indivíduo atomizado sob o jugo da ditadura e do neoliberalismo implantado no Chile pinochetista, seria a própria representação deste estado de coisas. A (falsa) tensão entre tradição e modernização de que nos fala Jorge Larraín estaria plasmada, numa chave alegórica, na figura de Raúl Peralta: sua crise identitária seria este dilema entre ser o outro ou permanecer chileno. A alegoria "horizontal" do filme (XAVIER, 2004) tende a operar como uma mensagem pedagógica, viculando significados implícitos à trama. Trabalahando com a ideia de um sentido oculto que o autor, enquanto "sujeito do saber", desvela, a alegoria, em "Tony Manero", seria um elemento repreentacional que filiaria o filme à uma concepção platônica da arte: o "regime ético". |
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Bibliografia | ARNHEIM, R. A arte do cinema. Lisboa: Edições Aster, 1960.
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