ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Assincronismo sonoro e plano-sequência em contraponto no filme Birdman |
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Autor | Erika Savernini |
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Resumo Expandido | Birdman ou a inesperada virtude da ignorância (Birdman or the unexpected virtue of ignorance – EUA – 2014), de Alejandro González Iñarritu, será analisado quanto ao papel do som na construção de uma narrativa cambiante entre os modos objetivo e subjetivo. As estratégias de subjetivação, presentes tanto na dimensão sonora quanto na visual e, particularmente, no contraponto entre elas, referem-se ao personagem principal, Riggan Thomson (Michael Keaton), que debate (debate-se) constantemente com o fantasma de sua glória passada, encarnado em imagem e som pelo super-herói Birdman. Para tal, discutiremos a dimensão sonora do audiovisual (PUDOVKIN, 1961; EISENSTEIN, 2002; EISENSTEIN; PUDOVKIN; ALEXANDROV, 2002; RODRIGUEZ, 2006; CARRASCO, 2003), o plano-sequência, a subjetiva indireta livre e o Cinema de Poesia (PASOLINI, 1982), e alguns princípios da construção da personagem (ROSENFELD, 2009).
Num manifesto ou declaração sobre o cinema sonoro, em 1928, Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov (2002) estabeleciam a concepção de que o som deveria ser um elemento expressivo do cinema e, para que tal ocorresse, era necessário pensar numa relação não-sincrônica, uma relação de contraponto orquestral e uso polifônico do som. Pudovkin (1961) reitera que a função do som é expressiva, não apenas naturalista. Tomando como base a forma seletiva e, muitas vezes, assíncrona de nossa audição cotidiana, Pudovkin sustenta que a percepção sonora e visual humana é similar à montagem cinematográfica. Uma grande contribuição do som é que “O filme sonoro pode portanto (sic) corresponder simultaneamente ao mundo exterior e à percepção que nós temos dele. A imagem pode traduzir o ritmo do mundo exterior enquanto a banda sonora segue as mudanças da nossa percepção, ou vice-versa.” (PUDOVKIN, 1961, p. 216). Segundo o realizador russo, isso seria o princípio do estabelecimento de contrapontos entre imagem e som. A possibilidade de subjetivação através do som, no presente estudo, será articulada aos modos de subjetivação da imagem, principalmente a partir do conceito de subjetiva indireta livre de Pasolini (1982); que apontou formas de subjetivação da narração no cinema moderno: sua concepção de cinema de poesia é de um filme que apresenta uma personagem perturbada cuja subjetividade molda a forma do filme. A subjetiva indireta livre corresponde não à câmera (ou som) subjetiva, mas à presença de ritmos e elementos estéticos dissonantes que denunciam esses momentos de alta expressividade, quando não se narram mais ações, mas se permite ao espectador experenciar estados da personagem, os quais ganham forma audiovisual (daí a relação com a função poética). Em Birdman, observamos uma grande frequência de planos longos (planos-sequências) produzidos por uma câmera que desliza pelo espaço, de forma fluída, enquanto o som, particularmente, a trilha musical (o solo de bateria), produz uma dissonância. A câmera, normalmente, acompanha o caminhar das personagens, postada às suas costas. No entanto, às vezes, mesmo acompanhando Riggan, a câmera flutua como os phantom rides do early cinema, ela como que se desprende dele e se torna um olho mais sensivelmente descorporificado. Assim como a imagem, a trilha sonora articula falas, sons incidentais e música de forma cambiante. Entendendo-se a trilha musical como exteriorização da subjetividade da personagem, percebe-se que, em alguns momentos, particularmente o solo de bateria concorre com os sons objetivos. Ademais, além de grave, profunda, a voz de Birdman recebe um tratamento que a faz soar como uma voz interior (ou quase) – o que forma, aos poucos, para o espectador, a compreensão de que parte do que ouvimos (e vemos) de forma concretamente audiovisual está “dentro da cabeça” de Riggan. Concluimos que os momentos de mudança da objetividade para subjetividade tanto do som quanto da imagem, que não são necessariamente coincidentes, constroem para o espectador a vivência do estado limítrofe da personagem principal, Riggan. |
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Bibliografia | CARRASCO, Ney. Sygkhronos; a formação da poética musical do cinema. São Paulo: Via Lettera: Fapesp, 2003.
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