ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Diálogo dos tempos em História do Brasil e Triste Trópico |
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Autor | Isabel Costa Mattos de Castro |
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Resumo Expandido | Objetos da minha pesquisa de doutorado, em curso, "História do Brasil" (1974, de Glauber Rocha e Marcos Medeiros) e Triste Trópico (1974, de Arthur Omar) são filmes que se constituem essencialmente através da operação de reciclagem - do gesto de apropriação e desvio de imagens pré-existentes -, explorando a potência de re-criação e re-escritura do que já existe para a construção de uma obra nova. Trabalham, portanto, as possibilidades do ver as mesmas imagens e sons de outra maneira e revelam o quanto “o cinema (e a história do cinema) são profundamente tributários do tempo, o tempo como experiência (duração da representação) e como época (o contexto histórico e social da visão)”. (BLÜMLINGER, Christa, 2013).
Este trabalho pretende refletir especificamente sobre os diálogos entre os tempos estabelecidos pelos filmes. Como as respectivas montagens apresentam e trabalham as diversas temporalidades que abordam: o tempo do presente da realização, os tempos do(s) tema(s) tratados, o(s) tempo(s) dos materiais utilizados, o tempo da narração, ou ainda o tempo interno às imagens? História do Brasil e Triste Trópico são ambos datados de 1974, da então era Geisel da ditadura militar brasileira. O primeiro conta a história do Brasil de 1500 ao início dos anos 1970, seguindo uma narrativa cronológica, e com especial destaque a uma discussão informal sobre o tempo presente. O segundo narra a história de vida do personagem ficcional Dr. Arthur, dos anos 1920 a sua morte (não localizada temporalmente), seguindo também uma ordem, em princípio, cronológica. Os materiais utilizados para a construção de suas narrativas são os mais diversos, reunindo arquivos de diferentes períodos, de imagens (fixas e em movimento) e/ou citações do século XVI a materiais contemporâneos à realização. Os tempos reais, de realização dos materiais utilizados, entrando, muito freqüentemente, em choque com os tempos dos assuntos que ilustram. Nesta rede de temporalidades, há ainda o tempo de onde se fala, marcado, nos dois filmes, pela atemporalidade do narrador onisciente que, ao não localizar-se no tempo e referir-se aos diferentes temas abordados no pretérito, é sempre atribuído de uma presença ao dirigir-se ao espectador no presente da projeção. Por último, para além das montagens temporais realizadas pelos filmes, cada imagem singular nos coloca questões temporais, pois como nos lembra Didi-Huberman com sua noção de anacronismo, toda imagem contém uma tensão temporal, “diante da imagem, estamos sempre diante do tempo” (DIDI-HUBERMAN, 2000). Em outro sentido, citando a questão formulada por François Hartog - que define sua ideia de regimes de historicidade - : “De que presente, visando qual passado e qual futuro, trata-se aqui ou lá, ontem ou hoje?” Esta é uma questão central nos filmes, que estabelecem claros diálogos com seus respectivos tempos presentes e mundos extra-fílmicos. Que passados e/ou aspectos do passado os filmes escolhem fazer emergir neste momento de ditadura brasileira e que conexões os filmes estabelecem entres estes passados e o presente vivido? Qual o lugar do futuro? Podemos pensar em uma intenção de arquivamento por parte dos cineastas, através da incorporação nos filmes de materiais contemporâneos a eles, não considerados no presente de suas realizações enquanto arquivos? O tempo, em suas várias dimensões, é uma questão central de "História do Brasil" e "Triste Trópico", que brincam com e refletem sobre ele, todo o tempo. A análise se desenvolverá a partir da análise de certas sequências escolhidas, procurando destrinchar as redes temporais que os filmes problematizam e, num contexto teórico mais amplo, refletir sobre o arquivo e o tempo, um dos principais interesses e potências do filme de montagem. Vale lembrar que ao trabalhar com arquivos e colagem nos anos 1970, os filmes são anteriores às tecnologias digitais e antecipam utilizações, experimentações e questões que se intensificam, cada vez mais, com os cinemas em redes. |
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Bibliografia | BLÜMLINGER, Christa. Cinéma de seconde main : Esthétique du remploi dans l'art du film et des nouveaux médias. Paris: Klincksieck, 2013.
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