ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Memórias do deslocamento no documentário brasileiro: Descaminhos |
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Autor | Gustavo Souza |
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Resumo Expandido | No encontro de 2014, em Fortaleza, debati a construção de uma possível memória do deslocamento no documentário brasileiro por meio do documentário Aboio (Marília Rocha, 2005). Para este ano, pretendo continuar com esta discussão, tomando agora como objeto de análise o documentário Descaminhos (Marília Rocha, Luiz Felipe Fernandes, Alexandre Baxter, João Flores, Maria de Fátima Augusto, Leandro HBL, Armando Mendz, Cristiano Abud, 2009). O filme passa por diversas cidades do interior de Minas Gerais que, no passado, conviveram com a linha de trem hoje desativada. Tratas-se, portanto, de um documentário, cujos realizadores o classificam como road movie, que se volta para a memória de experiências em que a questão do deslocamento é central. De um lado, estão os personagens, que são fixos, moram nas cidades por onde o filme passou; de outro, está a equipe do filme, que efetivamente se desloca. Esta nuance aponta para uma dupla noção do deslocar-se posta por este documentário, ou seja, o deslocamento do personagem se dá pela ativação de um trabalho de memória que resgata momentos da trajetória desses personagens, sinalizando, metaforicamente, para o seu movimento. É a “memória como trajetória” (WATERSON, 2007, p. 66-70) que promove o deslocamento, pois o compartilhamento de sua história de vida, registrado pela câmera, estende as trajetórias de transmissão da memória para além do tempo vivido por cada ser humano. Porém, tendo em vista que no road movie o deslocamento na estrada é realizado pelos personagens do filme – a referência, neste caso, é notadamente a ficção, de onde emerge a discussão sobre esse gênero cinematográfico –, documentários como Descaminhos abalam as delimitações impostas pelo gênero, pois o que impulsiona o deslocamento é um objetivo previamente traçado pelos documentaristas, ao invés de questões materiais ou existenciais de alguém escolhido como personagem. Descaminhos abre espaço para a hipótese que considera o road movie no documentário com personagens fixos, que não se deslocam – o que, num primeiro instante, pode parecer um contrassenso, mas que ressalta não somente as indeterminações dos personagens, como as particularidades do road movie documental. Neste documentário, o deslocamento ocorre no plano narrativo, acenando para a possibilidade de, no road movie documental, o deslocamento ser feito para além dos personagens. Os depoimentos de Descaminhos retomam experiências das memórias de cada um do seus personagens que se conectam pelo seu caráter de socialização, de algo vivido por cada um deles mas que não se divorcia de um compartilhamento coletivo. Esse trabalho de ativação da memória remete à discussão encaminhada por Halbwachs (2003) para quem a memória é um acontecimento social e compartilhado em sociedade, sujeita à casualidade dos fatos só podendo, assim, ser múltipla e coletiva. Alinhado a esta perspectiva, veremos como se estabelece a conexão entre depoimento e a noção de memória coletiva aqui adotada. Para desenvolver esta ideia, o percurso privilegia uma análise vertical, que recortará sequências com os subsídios para o debate, seguindo as trilhas de Aumont e Marie (1989), cuja discussão tem o propósito de responder às seguintes questões: como o documentário aborda o tema escolhido? Como relata a experiência do se deslocar? O que pensam os personagens sobre a questão do deslocamento, ou seja, que relações são possíveis estabelecer entre o tema e o personagem? Aposta-se, assim, que a reposta a essas perguntas possibilitará a continuidade da discussão sobre uma memória do deslocamento no documentário brasileiro. |
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Bibliografia | ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico. Dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Eduerj, 2010.
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