ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Memórias de um refugiado: reflexões sobre Reminiscences, de Jonas Mekas |
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Autor | Ana Paula Silva Oliveira |
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Resumo Expandido | O objetivo desta comunicação é fazer uma reflexão sobre o documentário e a memória a partir de algumas considerações sobre o filme Reminiscences [of a journey to Lithuania] (1972), do cineasta Jonas Mekas. Pretende-se, desse modo, evidenciar de que forma o cineasta constrói por meio da articulação de imagens, sons e palavras, uma crônica da comunidade de lituanos de Nova York e, também, das suas próprias experiências vividas como refugiado. O filme contém diversos vestígios de reminiscências que aludem à experiência do exílio e permitem ao cineasta a recriação da Lituânia pensada, sentida e sonhada a partir de suas impressões como refugiado. Mekas afirma: “eu estava lá e o documentei para os outros, para a história, para aqueles que não conhecem a dor do exílio”.
Sob essa perspectiva, torna-se necessário, num primeiro momento, pensar no modo singular que Mekas encontra para fazer cinema. A partir de imagens colhidas durante diferentes momentos de sua vida cria um diário íntimo de caráter documental, uma autobiografia filmada, um filme-diário. De acordo com o diretor, filmar notas curtas diariamente tornou-se um hábito desde 1949, ano que comprou sua primeira câmera. Para ele, o maior desafio ao manter um caderno de notas com a câmera está “em como reagir com a câmera no instante, durante o acontecimento; como reagir de modo que a filmagem reflita o que senti naquele exato momento” (Mekas,2013,p.132). Ao realizar o registro do cotidiano, Mekas não apenas mergulha em sua própria subjetividade como evidencia as suas marcas do gesto de criação. Em tal mergulho, diversas histórias de deslocação e exílio vêm à tona e trazem em si um trabalho de reconstrução de lembranças, pois, ao olhar para o passado, os fatos vividos são recriados pelo presente criando uma presentificação do acontecimento e o impedimento do esquecimento. Dessa maneira, seu gesto de criação artística permite um movimento que possibilita a recriação das lembranças ao mesmo tempo que remete à experiência do exílio. Num segundo momento, o filme será pensado como uma maneira de tratar a memória social de um grupo. Nesse sentido, nota-se a preocupação em confrontar lembranças e esquecimentos e torna-se possível analisar como o artista constrói sua própria história a partir da intersecção entre a memória pessoal e a memória coletiva. Dessa forma, o documentário pode ser entendido como um poderoso instrumento para o que Michel Pollak (1989) chama de “rearranjos da memória coletiva”. Para o autor, apesar da impossibilidade ou dificuldade técnica no processo de captação das lembranças em objetos de memória, o filme é o melhor suporte para fazê-lo. Ao pontuar o papel crescente do filme na formação e reorganização da memória, Pollak afirma a existência de uma espécie de leit-motiv em cada história de vida formado por um núcleo resistente, um fio condutor que possibilita a esta ser considerada um “instrumentos de reconstrução da identidade” e não apenas um relato factual. Dessa maneira, tanto as relações entre o indivíduo e os outros quanto o lugar social que ocupa são definidos por meio de um trabalho de construção de si. Sendo assim, ao compreender que a autobiografia filmada por Mekas tem como fio condutor a memória não apenas como um relato factual mas como um meio de reconstruir a sua identidade fraturada, é possível evidenciar a realização de um trabalho de recriação de si mesmo em que há uma “construção de uma coerência e de continuidade da própria história” (Pollak,1989,p.14). A partir destas considerações, pretende-se mostrar de que modo o documentário pode ser entendido como um espaço de reflexão e problematização do conceito de memória e esquecimento numa perspectiva, simultaneamente, estética e política. |
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Bibliografia | CORNELSEN, Elcio Loureiro; VIEIRA, Elisa Maria Amorim; SELIGMANN-SILVA Márcio (Orgs.) Imagem e memória. Belo Horizonte: Rona Editora- FALE/UFMG, 2012.
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