ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | O olho da imagem: reflexão metaestética em Hitchcock e Kiarostami |
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Autor | Luiz Carlos Oliveira Junior |
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Resumo Expandido | Em tese de doutorado recentemente concluída, desenvolvo a hipótese de que há uma teoria artística na obra de Hitchcock dos anos 1950, uma epistemologia estética que o diretor elabora fazendo da sua mise-en-scène um ato de reflexão teórica sobre a imagem clássica e o olhar que ela solicita. Essa teoria ganha contornos mais nítidos em Janela Indiscreta (1954) e irá se cristalizar em Vertigo (1958), filme atravessado de uma ponta à outra por uma discussão acerca dos critérios performativos e dos dispositivos de representação do cinema clássico hollywoodiano, cuja linguagem “transparente” é colocada em xeque por Hitchcock.
Produto de uma época culturalmente tardia, bem como da erudição de seu realizador, Vertigo acumula referências que vão da literatura romântica ao cinema expressionista, dos gabinetes de curiosidades do século XVII à iconografia do film noir dos anos 1940, dos padrões formais do retrato renascentista aos códigos figurativos do star system – sem esquecer dos mitos fundadores do imaginário artístico ocidental (a fábula de Plínio sobre a origem da pintura, o mito de Pigmalião etc.). Hitchcock inscreve seu filme, assim, numa história das formas que remonta à Antiguidade e se dispõe a discutir os alicerces da representação visual no Ocidente. Tal discussão não se expressa na linguagem verbal, em enunciados ou falas, mas nas próprias imagens do filme, que se apresentam como pensamentos visuais, respostas dadas através de signos icônicos a problemas que são de ordem não só dramatúrgico-ficcional como também teórico-conceitual. Podemos dizer que Vertigo repõe uma crise moderna da imagem, questão que marca a história da arte desde pelo menos a iconoclastia reformista do século XVI, e que retorna com força na contemporaneidade na esteira dos questionamentos trazidos pelas novas tecnologias de imagem. Minha proposta agora é avançar em relação ao que desenvolvi na tese e cotejar essa teoria artística hitchcockiana com as meditações estéticas de um diretor que não abordei na tese e que, a princípio, encontra-se nos antípodas de Hitchcock: Abbas Kiarostami. Se o que está em jogo, em Hitchcock, é a fabricação do visível, o cinema como “cosa mentale”, em Kiarostami, inversamente, ter-se-ia no cinema uma ferramenta de encontro com o mundo, de contato com a paisagem, com os homens, em suma, uma possibilidade de deixar a realidade vir se manifestar na imagem. Uma visão mais detida, porém, facilmente demonstra que o cineasta iraniano, na verdade, embaralha as duas postulações consideradas – pelo prisma da tradição teórica baziniana – os dois extremos opostos do gesto cinematográfico: a captação do real bruto, a premissa rosselliniana da revelação do sentido ontológico da realidade, e a construção abstrata de um mundo labiríntico, vertiginoso, que oscila entre o verdadeiro e o falso, entre o original e a cópia, entre a contemplação pura de um espaço que impõe à câmera suas aparências visíveis e a arquitetura intelectual de um dispositivo baseado na junção da realidade concreta com a estrutura conceitual de uma ideia. Egresso de outra tradição (cultural, estética, religiosa) e de outro momento histórico do cinema (a modernidade dos anos 1960/70), Kiarostami esbarra, contudo, em questionamentos sobre os limites do olhar e da representação que dialogam com algumas das principais indagações hitchcockianas. De Close-up a Cópia Fiel, passando por Através das Oliveiras e Shirin, Kiarostami, como Hitchcock, faz do espaço visual do quadro um campo de especulação meta-artística e reflete sobre o próprio dispositivo cinematográfico, o estatuto da ficção, as dicotomias realidade-imagem e original-cópia (inerentes às artes de reprodução), o lugar da Ideia e da mimesis numa arte fundada no encontro presencial com o mundo sensível. Meu intuito é comparar os discursos metarreflexivos de Hitchcock e Kiarostami e analisar de que modo ambos realizaram filmes que problematizam tanto o ato da criação artística como o da recepção das imagens. |
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Bibliografia | ARASSE, Daniel. L’Annonciation Italienne: Une histoire de perspective. Paris: Hazan, 1999, 2010.
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