ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Da Poética no Cinema dos Irmãos Dardenne |
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Autor | Alexandre Silva Guerreiro |
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Resumo Expandido | De início, as análises temáticas ou proposicionais dos teóricos da semântica inauguraram estudos focados nos enredos. Através de sua busca da repetição, do mesmo, em culturas diferentes, sobretudo na elaboração do conceito de “monomito”, Joseph Campbell caminhou no sentido de encontrar o imutável em narrativas diversas. A obra de Campbell é fundamental para pensarmos o conceito de herói e sua desintegração na contemporaneidade. Em "O Herói das Mil Faces", Campbell elenca as etapas da jornada do herói, mas também aponta os dilemas do herói moderno: “Conhecemos o conto; ele foi contado de mil maneiras. Trata-se do ciclo do herói da época moderna, a prodigiosa história da chegada da humanidade à idade adulta”. (CAMPBELL, 1997, p.194).
A contribuição de Campbell é fundamental para pensarmos o cinema dos Irmãos Dardenne. Os protagonistas dos filmes de ficção dos Dardenne ganham contornos mais complexos, marca contemporânea do esfacelamento dessa figura canônica. O estudo do herói dentro de uma determinada obra aciona uma releitura do conceito de herói, ao contrário do que promove uma visão generalizadora do herói em diferentes contextos – a exemplo disso, a complexidade dos protagonistas criados pelos Dardenne implode a noção clássica de herói. Rosetta, Oliver, Bruno, Lorna, Cyril e Sandra, protagonistas, respectivamente, dos filmes Rosetta, O Filho, A Criança, O Silêncio de Lorna, o Garoto da Bicicleta e Dois Dias, Uma Noite, constituem um certo avesso do herói, desconstruindo qualquer modelo clássico ou trágico dessa figura, sem ocuparem tão somente o lugar do anti-herói. Ao mesmo tempo, o cinema dos Irmãos Dardenne evoca um certo realismo ao lidar com o jogo do tempo. Mas não é usando os recursos naturalistas do cinema, identificados com a narrativa hegemônica, que isso é feito. O ritmo lento, o uso da trilha sonora extremamente contido e o roteiro arquitetado sem os tempos fortes de uma narrativa hegemônica que conduza a um clímax catártico marcam seus filmes. Além disso, e de maneira original, os Dardenne fazem escolhas que promovem um verdadeiro jogo particular. E é sob a égide de uma estética da recepção que o cinema dos irmãos belgas ganha contornos mais interessantes, a partir das leituras diversas que suscita. A crítica especializada, por exemplo, apontou por diversas vezes a habilidade dos Dardenne de contar uma história de maneira “quase documental”. Porém, a partir do conceito de “dramática rigorosa”, os autores conseguem, ao contrário, elaborar uma narrativa extremamente complexa, sem embaralhamento de tempo, virtuosismos no roteiro ou requinte técnico. “Dramática rigorosa” é o conceito colocado por Rosenfeld (1965) para designar a narrativa aristotélica, a ação dramática e sua causalidade, conceito que aprofundamos para além da mera “encenação” colocada pelo autor. O conceito de “dramática rigorosa” coloca em xeque a leitura da obra dos irmãos Dardenne como “quase documental”. Seus filmes apresentam um encadeamento preciso, numa forte conexão causal. Se, como afirma Iser, “os autores jogam com os leitores, e o texto é o campo do jogo”, a narrativa eligida por um autor nos dá dicas sobre as regras do jogo que ele propõe. Porém, um estudo de caso nos autoriza pensar que cada filme possui regras próprias propostas pelo autor como definidora do jogo, do qual o leitor é parte fundamental e decisiva. Sem a participação do leitor ativamente nesse jogo, a interação não acontece e a intenção do autor ecoa no vazio. A partir da junção do conceito de "herói" (CAMPBELL, 1997) e de "dramática rigorosa" (ROSENFELD, 1995), buscamos desnudar a Poética no Cinema dos Irmãos Dardenne atentos para as contribuições das "relações extratextuais" (ISER, 2002). Na era da velocidade das imagens digitais e de intensa produção audiovisual, os Irmãos Dardenne desfilam, sob a simplicidade aparente, uma narrativa profundamente complexa, que redimensiona conceitos conectados à arte de narrar. |
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Bibliografia | ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Martin Claret, 2011
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