ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Os documentários América e Angola na TV: natureza, corpo e paisagem |
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Autor | Andrea França Martins |
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Resumo Expandido | Quando se discute os documentários feitos para televisão brasileira, sobretudo nas décadas de 1970/80, as análises frequentemente recaem na conjuntura televisiva da época, enfatizando o lugar da mesma como veículo de aprendizagem, lugar que pauta o espaço público porque traz notícias, informação sobre o país, o mundo e, ainda, imagens em movimento. Se o casamento do documentário com a televisão nos anos 1970, seguiu frequentemente a tradição que concebia a produção documental como um empreendimento de educação pública, capaz de enunciar asserções sobre o mundo e o país através de procedimentos expressivos e estilos diversos (FRANÇA, 2012; SACRAMENTO, 2008), na década de 1980, esse casamento se faz pelo estímulo de uma cultura de massa que integra tudo, países e territórios distantes, modos de vida e hábitos de consumo, transformando esses elementos em um espetáculo em que somos ao mesmo tempo personagens e telespectadores (HAMBURGER, 2005).
Entre o lento arrefecer de um regime ditatorial de vinte anos e a consolidação de uma cultura de massa seduzida pela diversidade de imaginários a compor identidades nacionais, de grupo, coletivas, emerge a produção documental dos anos 1980 devolvendo frequentemente às imagens televisivas uma qualidade sensorial até então ausente da TV. As mudanças no contexto histórico-cultural associadas às mudanças tecnológicas - sobretudo o aparecimento do vídeo – apontam para novas formas de pensar as relações entre imagem e mundo, nós e eles e sobretudo a própria natureza da imagem. Nos interessa investigar de que modo as imagens de ANGOLA (Roberto Berliner, 1988, Rede Bandeirantes) e AMÉRICA (João Moreira Salles, 1988, Rede Manchete) - para além das questões contextuais ligadas à construção de imaginários nacionais e os “retratos do real” possíveis à época - se deixam contaminar pelo amplo repertório de imagens disponíveis naquele momento para, cada um a seu modo, mostrar a emergência do corpo e da natureza como formas de paisagem (CAUQUELIN, 2007, APPADURAI, 1996). As reflexões feitas durante os anos 1980 (ISHAGHPOUR, 1982) - e retomadas por inúmeros pensadores contemporâneos (COMOLLI, 2004; MARKS, 2002; MITCHELL, 2009) que apontam para um contexto de contaminação entre imagens a partir dos anos 1980 (tv, fotografia, cinema, publicidade, etc.) - são úteis para pensar ANGOLA e AMÉRICA porque em ambos encontramos um desejo de restituir uma aderência/contágio entre corpo, imagem e paisagem (Angola) ou, ainda, entre natureza, imagem e paisagem (América). O “entre-imagens” (R. Bellour) aparece, em AMÉRICA, através do uso transversal da fotografia de W. Evans, R. Frank, do cinema de Wim Wenders e Dennis Hopper, da pintura de Edward Hopper e, ainda, de olhares a respeito do outro (o país, a língua, a geografia, a cultura) onde uma possível história cronológica dos EUA, editada por assuntos (economia, cultura, política) e tão frequente na TV daquele momento, cede sua vez para uma montagem/edição sensorial onde os episódios são pautados por nomes: “movimento”, “blues”, “telas”, “velocidade” e “mitologias”. São imagens que exploram a sensação de uma natureza inabordável (a América infinita e seus desertos) transformada em paisagem. Em ANGOLA, diferentemente, o corpo, a imagem e ainda a cidade de Luanda, recém-saídos de uma Guerra Civil (a Batalha de Cuito Cuanavale), aparecem como campos de experimentação – para a fragmentação, a aceleração, a repetição. O entre-imagens aparece aqui no contágio entre as imagens documentais, do vídeo-clipe, da fotografia de Ricardo Azoury, evocando um paralelo entre fisionomia (o rosto) e cidade. Se ambos os documentários, feitos para TV, suscitam uma multiplicidade de sensações visuais, sonoras, táteis, poucos vistas até então, em ANGOLA é o corpo e o rosto (e não a natureza, como em AMÉRICA) que adquirem um protagonismo novo. Eles exibem a sua paisagem, traçando uma história, uma memória e uma geografia próprias. |
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Bibliografia | APPADURAI, A. Modernity at Large. Minneapolis: University of Minnesotta Press, 1996.
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