ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Se faz necessária a ação: Cidade e destruição em Não Estamos Sonhando |
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Autor | Gabriela Alcântara de Siqueira Silva |
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Resumo Expandido | “Todo homem deve gritar. Há um grande trabalho destrutivo, negativo, a ser executado” (TZARA. apud MICHELLI, 2004, p. 136). Apesar de suas grandes pausas silenciosas, o curta-metragem “Não Estamos Sonhando”, dirigido por Luiz Pretti, assemelha-se a um grito. Passado principalmente no interior do apartamento do personagem, o filme não traz nenhuma característica que o ligue a qualquer cidade, e tem no discurso de seu personagem dilemas presentes nos grandes centros urbanos de todo o mundo, tornando-se assim universal.
Com uma trilha sonora que trabalha principalmente com ruídos, o que primeiro chama a atenção em “Não Estamos Sonhando” é o silêncio. Esse é o primeiro elemento que ajuda a transmitir as angústias do jovem – interpretado por Pretti – ao público: o silêncio artificial de algumas cenas ajuda na sensação de dilatação do tempo, o que acontece também com o uso dos longos planos-sequência. Esse uso do silêncio e da passagem do tempo em cena encontra eco na afirmação de que o tempo se torna perceptível em uma tomada “quando sentimos algo de significativo e verdadeiro, que vai além dos acontecimentos mostrados na tela” (TARKOVSKY, 1998, p. 139), ou seja, de que o que está diante de nós como espectadores não se esgota em si, mas é um indício de algo maior, que se estende para além do quadro. Assim funciona também o uso de som quando o gravador é ligado e ouvimos, fora de quadro, o barulho incessante de canteiros de obra. Além de dar uma noção tridimensional ao espectador, os ruídos “atingem o espectador diretamente numa dimensão sensorial, produzindo um efeito – uma sensação – que não sabemos explicar como ocorreu, porque não identificamos a sua origem” (CARREIRO, 2011, p. 190). Desse modo, o público sente o incômodo vivido pelo personagem, que resolve fazer uma gravação pois, diante daquilo que vive, “se faz necessária a palavra”. É aqui que inicia-se o expurgo feito pelo personagem, que lê o trecho de uma entrevista dada por Lucio Costa, onde o arquiteto e urbanista fala sobre as grandes construções da humanidade e a transformação de templos em bancos, e catedrais em arranha-céus. Ele então fecha o livro e olha para fora de quadro, em direção ao incômodo ruído das máquinas. Enquanto caminha em direção à janela do apartamento sussurra: “se faz necessária a ação”. As janelas são abertas e temos então a primeira visão de um dos prédios que estão sendo construídos ao lado do personagem. Ao colocar o gravador para fora da janela, o som das construções é substituído por uma música de fundo e, aos poucos, o espectador passa a ouvir o zunido de uma bomba que se aproxima. O gravador é a arma que proporciona a ação, e a cada vez que aparece em quadro, vemos um prédio desabar. Até então minimalista, com a maioria dos planos fixos e apenas a presença do personagem que ora transmite suas críticas em relação a este tipo de planejamento urbano, ora aparece silencioso e com aspecto entristecido e solitário, o filme passa a um novo ritmo. A câmera treme vertiginosamente a medida em que prédios desabam e o barulho das máquinas é substituído pelo de bombas. É então com seu jogo de câmera entre o estático e o vertiginoso, e com a trilha sonora que contrapõe o silêncio ao incômodo barulho das construções, que “Não Estamos Sonhando” traz a representação de um personagem que está em uma situação limite graças ao espaço ao seu redor. Assim, o curta de Pretti traz em si uma visão política e crítica do espaço urbano contemporâneo encontrando eco em Deleuze quando este diz sobre Ozu: “do próprio insignificante ele extrai o intolerável, com a condição de estender sobre a vida cotidiana a força de uma contemplação rica de simpatia ou piedade” (DELEUZE, 2005, p. 29). Em seu grito, “Não Estamos Sonhando” aponta assim para uma necessidade de resistência, para a urgência de uma ação, diante do cotidiano de uma sociedade que passa a sentir-se incomodada dentro de seu próprio espaço, cada vez mais cercado por grandes construções. |
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Bibliografia | BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
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