ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Vida-lazer: respostas sensíveis ao espírito do tempo |
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Autor | VINICIOS KABRAL RIBEIRO |
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Resumo Expandido | Vida-Lazer é um termo êmico, que surge em Madame Satã (Karim Aïnouz,2002) e reaparece na parceria de Aïnouz com o cineasta Marcelo Gomes, em Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo (2009). Tabu é a personagem que fabula inicialmente a expressão que dá título a este trabalho. Seu sonho é “comprar uma máquina Singer, de pedal, pra costurar as fardas do meu anjo de bondade, meu marido. E viver uma vida-lazer”. Já Pati, em Viajo Porque Preciso, deseja uma casa para ela e sua filha, um companheiro que a tirasse da prostituição, e assim viver sua vida-lazer.
Nesses dois filmes onde aparecem noções similares sobre a vida-lazer, partirei dos seus enunciados e dos discursos dos personagens para extrair das obras uma teoria e chegar a um possível conceito sobre a vida-lazer. Tentarei uma aproximação poética com outras obras cinematográficas, buscando mapear e observar a rentabilidade desse conceito/noção/sensibilidade. A dificuldade presente é entender os seus sentidos, como eles se ampliam e de que maneira ajudam a compreender a obra do Karim Aïnouz. Mais ainda, em que medida a ideia de vida-lazer é produtiva para nos colocar em relação com o cinema e com outras linguagens artísticas. Nesse território os personagens habitam, dialogam e vivem. Vale reiterar que Viajo Porque Preciso se aproxima do que Anita Leandro (2012) cunhou como desvios de imagens. A pesquisadora nos fala sobre o deslocamento de funções das imagens já filmadas ou oriundas das mídias massivas, ressaltando o caráter político da montagem. Em Karim Ainouz, os desvios das imagens não se valem majoritariamente das imagens midiáticas, apesar de ser uma característica de seu curta-metragem Seams (1993), mas de imagens produzidas e já utilizadas ou no deslocamento das imagens do seu uso original, como nas fotografias feitas por um geólogo e cedidas aos diretores de Viajo porque preciso. O desvio não será apenas da imagem, mas da própria vida-lazer, ela será desviada dos filmes onde é enunciada e partirá como sensibilidade para a análise de outras obras. Daí teremos encontros com O céu de Suely e Praia do Futuro (Ainouz, 2006 e 2014) Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013), Esse amor que nos consome (Allan Ribeiro, 2013) e O céu sobre os ombros (Sérgio Borges, 2010). O objetivo da pesquisa é, minimamente, contribuir com o debate de questões importantes para pensar o cinema e o mundo contemporâneo: as relações entre arte e vida, a autoria compartilhada no campo das artes, as novas formas de pertencimento e vinculação, os projetos de vida e a felicidade. O que é um personagem vida-lazer? Como esta noção e a fala de personagens se articulam com a felicidade, com projetos de vida e o lazer no mundo contemporâneo? De que modos a fala e o discurso se relacionam no espaço do filme e para além dele? A hipótese é de que o cinema pode ser uma fonte de respostas sensíveis ao espírito do tempo. Jonathan Crary (2014) afirma o caráter revolucionário que a inércia, o sono e o sonho, podem ter na contemporaneidade. Quase não há no capitalismo tardio a possibilidade de tempos mortos ou improdutivos, espaços para sonhar e imaginar um outro mundo possível. Sendo assim, as obras aqui tratadas nos falam sobre o comum, a intimidade, o banal e o cotidiano. Resistências contra uma vida-trabalho e a busca de uma vida-lazer. Peter Pál Pelbart ao recuperar Deleuze (2003) fala sobre as capturas e sequestros do comum, traduzidas nos clichês sobre amor, política ou povo. Mas se o comum foi sequestrado, não deveríamos formar quadrilhas e cometer os mesmos crimes? Não deveríamos assaltar essas imagens, deslocando-as para um diário íntimo de vida, e até mesmo de uma vida-lazer? Por fim, a vida-lazer pode ser entendida como uma metodologia: uma produção compartilhada, imagens desviadas, impressões e conhecimentos particulares sobre o mundo. E em sua relação com o espectador, as trazemos para nosso corpo e memória. Elas ecoam, nos falam da vida-lazer, do convite para uma vida que transborda da tela. |
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Bibliografia | CRARY, Jonathan. 24/7 - Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
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