ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Vozes femininas no cinema luso-brasileiro contemporâneo |
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Autor | Lisa Carvalho Vasconcellos |
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Resumo Expandido | O presente trabalho procura analisar comparativamente duas produções da recente filmografia luso-brasileira. As películas Que bom te ver viva (1989), da brasileira Lúcia Murat, e 48 (2009), da diretora portuguesa Susana de Sousa Dias. Para além dos vinte anos que separam esses dois filmes, eles trazem muitos elementos em comuns: ambos se propõem a revisitar o tema das ditaduras que assolaram ambos os países, e fazem isso a partir de uma mistura de ficção e documentário que se assenta sobre o depoimento de antigos militantes presos e torturados pelos regimes autoritários luso-brasileiros. Nossa intenção, entretanto, é ler ambos os trabalhos como tentativas de captar e representar esteticamente a especificidade da dor e do sofrimento feminino, no contexto de tortura e do aprisionamento ao qual foram submetidas tantas militantes. O primeiro dos filmes assumidamente adota a perspectiva feminina como ponto de partida para refletir sobre os horrores da ditadura civil-miltar do Brasil. Através de uma série de entrevistas, Lúcia Murat procura recompor as especificidades da trajetória de mulheres de diferentes idades e meios sociais que se envolveram na militância, armada ou não, durante o período da ditadura brasileira. A prisão, a tortura e depois a liberdade e a tentativa de reintegração à vida comum são os temas dos relatos e também de um conjunto de monólogos ficcionais que se intercala às falas das depoentes. Estes últimos se propõem como intervenções da diretora que, através de um alter-ego feminino, interpretado pela atriz Irene Ravache, comenta, responde ou mesmo contradiz às falas das mulheres que testemunham. O segundo filme, 48, tem, a princípio, uma proposta mais abrangente. Baseando-se no relato de 16 ex-militantes anti-Salazar, homens e mulheres de origens e épocas diferentes, a obra contrapõe a fala dos depoentes às suas fotos de registro recuperadas do arquivos policiais mantidos pelo Estado português até os dias de hoje. No filme, as imagens de frente e de lado (mugshots) – tiradas das vítimas no momento da sua prisão – são filmadas em câmera lenta e acompanhadas ao fundo pela fala dos retratados. Nesse universo insituável – entre o documentário, o ensaio e o filme de arte – destacam-se duas figuras femininas. Segundo a própria Susana de Sousa Dias, foi a partir da recolha inicial das suas imagens e do contato com os seus depoimentos em particular que o projeto do filme tomou forma. Em suas falas, questões tipicamente femininas emergem e dão o tom da obra. Trabalhamos com a hipótese de que ambas as obras refletem teórica e esteticamente sobre a singularidade do lugar da mulher enquanto vítima de tortura e aprisionamento, assumindo um lugar de enunciação feminino e um espaço de identidade específico. Para analisar como isso se dá, cotejaremos os dois trabalhos com os trabalhos teóricos de Gayatri Spivak (Pode o subalterno falar?), Giorgio Agamben (Homo sacer e O que resta de Auchwitz) e Daniele Giglioli (Crítica dela vittima), além de textos críticos, filosóficos e historiográficos tais como Mulheres e militância, de Ingrid Faria e Zeide Trindade, Além do crime e do castigo, de Jean Améry e O que vemos, o que nos olha, de Georges Didi-Huberman – procurando entender como a fala ou o silenciamento de mulheres pode ser recuperado e tornado visível. |
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Bibliografia | AMÉRY, Jean. Além do crime e do castigo: tentativa de superação. São Paulo: Contraponto, 2013
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