ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | O espelho e o mito: diálogos entre Mário Peixoto e Júlio Bressane |
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Autor | Fabio Camarneiro |
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Resumo Expandido | A despeito de poucas pessoas terem efetivamente assistido ao filme em sua pré-estreia (ocorrida em 17 de maio de 1931, na sede do Chaplin Club) e de raras sessões terem ocorrido entre essa data e a restauração do filme em 1978, é inquestionável que, apesar de pouco visto, “Limite” se tornou presença incontornável no imaginário do cinema brasileiro. Glauber Rocha dedicou todo um capítulo de “Revisão crítica do cinema brasileiro” ao filme de Mário Peixoto e seu caráter “mítico”: “monstro sagrado, mito impenetrável”. (ROCHA: 2003, p. 59)
Em 1976, Júlio Bressane realizou “A agonia”, que homenageia, em suas sequências finais, o “mito impenetrável”: após um letreiro – onde se lê “Limite” – Maria Gladys e Joel Barcellos surgem em uma embarcação improvisada, a remar em um riacho. Nas imagens seguintes, os atores simularão ainda algumas das imagens-chave do filme de Mário Peixoto, como o grito do personagem masculino (a boca escancarada, a mão espalmada para que o som se amplifique, o movimento de aproximação da câmera); duas mãos em primeiro plano, presas por uma algema, entre outras. Francisco Elinaldo Teixeira lembra a importância de “Limite” para a obra de Bressane como um todo: “o cinema espelho de Júlio Bressane (‘cinema do cinema’) incorpora ‘Limite’ em seu tecido, com o filme ‘A agonia’, ponto de inflexão para novos voos em sua filmografia”. E ainda: “‘Limite’ torna-se, no pensamento cinematográfico de Bressane, ‘baliza’ constitutiva do ‘experimental do cinema brasileiro’, ‘estaca fundadora’ de um ‘cinema de poesia’”. (TEIXEIRA: 2003, p. 23) Bressane confirmaria o lugar central, em sua própria obra, do filme de Mário Peixoto em um texto intitulado “Deslimite”, publicado no livro “Alguns” (1996). “Cinema espelho”: a formulação parece acertada, pois o que Bressane faz é justamente criar um processo de “espelhamento”, um jogo de citações, alusões e “reflexos” que, não raro distorcidos, provocam uma atualização de significados em relação ao significante original – seja ele o filme de Mário Peixoto ou um samba de Noel Rosa. Nesse sentido, “A agonia” é um ponto de inflexão na obra de Bressane, pois marca a radicalização do procedimento de “espelhamento” de referências (cinematográficas, musicais, mas também literárias e plásticas), deslocando os significantes originais para novas cadeias de significado e criando, assim, interpretações distintas, aproximações inusitadas. O letreiro final de “A agonia” informa: “este filme não tem fim/ só início e meio/ o meio é o FIM…” abre a ambiguidade de um “contínuo” que jamais se encerra (em que os filmes espalhariam, de maneira incessante, as obras do passado), mas também a ideia de que o “meio” (no caso, o cinema) seria o único fim, o único objetivo a ser alcançado. “Cinema espelho”, “cinema do cinema”. No caso específico da presença de “Limite” em “A agonia”, é interessante a presença de vários elementos visuais comuns, a despeito das distintas concepções na construção dos planos num sentido formal: em Mário Peixoto, vai-se do rigor absoluto da composição à câmera completamente solta no topo de um morro; das linhas do quadro geometricamente compostas à vertigem absoluta. Em Bressane, por outro lado, a construção formal traz sempre a marca de uma impossibilidade: o relativo “desequilíbrio” nos enquadramentos, quando comparados aos de “Limite”, apontam para o caráter de improviso e o elemento “precário”, que se tornam centrais. Em seu período imediatamente posterior, a carreira de Júlio Bressane encontrará, no diálogo com certos nomes do passado das artes (casos de Peixoto e Noel, no caso de “A agonia”), esse lugar “mítico” em que seu cinema poderia se situar. Se Glauber inscreve Limite no lugar do mito, e apesar do filme de Mário Peixoto já ter se tornado, a partir da divulgação de uma nova cópia, novamente acessível a um público mais amplo, é nos termos da “mitologia de um país” que Bressane faz questão de dialogar com “Limite” e com a tradição de modo geral. |
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Bibliografia | BRESSANE, Júlio. Alguns. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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