ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Memória construída: Fortaleza nos filmes de família em super 8 |
|
Autor | Maíra Magalhães Bosi |
|
Resumo Expandido | Palco de convivências involuntárias, a cidade moderna é, como pontua Bauman, um lugar onde “estranhos se encontram, permanecem próximos uns dos outros e interagem por longo tempo sem deixarem de ser estranhos” (2004, p.127). Enxergamos, portanto, o território urbano como espaço de coabitação entre desconhecidos que, sem se darem conta, constroem em conjunto a história e a memória de um mesmo lugar.
Nesses termos, o processo criativo do curta-metragem ensaístico Supermemórias (2010), de Danilo Carvalho, nos ajuda a compreender que a memória de uma cidade pode residir (e resistir) nas memórias de seus habitantes, uma vez que essa obra é constituída, exclusivamente, por filmes de família em formato super 8, realizados em Fortaleza, entre as décadas de 1960 e 80. Para sua elaboração, foram reunidos aproximadamente 300 rolos de filmes neste formato (resultado de uma chamada pública do diretor na cidade), oriundos de diferentes arquivos particulares de famílias desconhecidas entre si que, no entanto, compartilharam um mesmo gesto: o de filmar, em uma mesma época, sua esfera de vida íntima e, como pano de fundo, a cidade de Fortaleza. Entendemos o gesto criativo do cineasta dos filmes de família como tradução de um desejo de “vencer o tempo pela perenidade da forma” (BAZIN, 1991, p.20) ao reter o instante para construir, com imagens, lembranças que permitam a “recriação mítica do passado vivido” (ODIN, 1995, p.32). Sobre os assuntos que figuram nesse tipo de registro, Odin chama atenção para o fato de diferentes filmes, frequentemente, apresentarem semelhanças entre si, priorizando momentos tipicamente felizes (como aniversários, casamentos e passeios) em detrimento daquilo que é, segundo o autor, verdadeiramente íntimo e privado (como brigas, relações sexuais e pessoas tomando banho). Esse caráter universal dos assuntos filmados se refere, ao nosso ver, a uma privacidade parcial e plenamente partilhável, o que nos leva a supor que, talvez, os filmes de família já tenham, desde a concepção, um desejo oculto de extrapolar o ambiente privado. Para realizar Supermemórias, Carvalho promove o desarquivamento de filmes particulares e, através da montagem, torna suas imagens públicas. Assim, a ação criativa do diretor evidencia não só a semelhança das situações presentes nos diferentes filmes de família, mas também o fato da cidade de Fortaleza aparecer – e sobreviver – nessas imagens amadoras. Imersa em um processo de constantes transformações visuais, em nome de um futuro que nunca chega, Fortaleza não parece ter fôlego para manter seus lugares de memória, conceito que compreendemos a partir de Nora como “lugares, de fato, nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional” (1984, p. XXXIV, tradução nossa). Nesse contexto, compreendemos esses filmes de família em super 8 como lugares de memória de Fortaleza e, no âmbito deste trabalho, analisamos algumas imagens da cidade, neste material bruto, em contraste com o que observamos, atualmente, nos mesmos lugares. Assim, podemos perceber significativas transformações não apenas visuais como também no que diz respeito ao uso público desses espaços. Dentre outros achados, visto que esta é uma pesquisa ainda em curso, observamos, por exemplo, destruições ou transformações visuais radicais de alguns lugares em função de seu potencial de exploração turística. Assim, a análise que aqui ensaiamos nos possibilita enxergar uma Fortaleza que sobrevive nas imagens desses filmes em super 8 ao mesmo tempo em que tais imagens, elas próprias, também são sobreviventes (DIDI-HUBERMAN, 2008). Tendo sobrevivido, por exemplo, a más condições de armazenamento, essas imagens – cujo suporte material é tão frágil – nos mostram, hoje, não só os acontecimentos do passado como a própria passagem do tempo, impressa em manchas e falhas que essas películas adquiriram com os anos. Assim, simbolicamente, são imagens que falam da fragilidade da memória nesta cidade ameaçada pelo esquecimento. |
|
Bibliografia | BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
|