ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | OLHARES SOBRE A CIDADE A PARTIR DA GARUPA DE UMA MOTOCICLETA |
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Autor | Vinícius Andrade de Oliveira |
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Resumo Expandido | O trabalho investiga as narrativas audiovisuais elaboradas nas incursões pela cidade de Mike 9mmm, perfil social e codinome fictício criado por um piloto de motocicleta de São Paulo para veicular no site Youtube as experiências registradas da perspectiva de sua motocicleta por uma câmera instalada no capacete. Variando entre seis e quase quarenta mil visualizações em cada vídeo e contabilizando, entre 2012 e 2015, mais de dez milhões de acessos em seu perfil, Mike 9mmm – pseudônimo que se refere a suas duas “ocupações”, motociclista e “marombeiro”, nas suas próprias palavras – aparece como sujeito de sua própria narrativa, explorando as tecnologias digitais de produção, armazenamento e veiculação de imagens para produzir uma espécie de diário urbano sobre os mais diversos temas, desde situações no trânsito, condições de tempo e dicas sobre motocicletas, até desabafos emocionais, conselhos ao estilo auto-ajuda e ainda reflexões sobre a vida na cidade.
Dessa maneira, nos propomos a pensar o gesto através do qual, enquanto pilota sua motocicleta, produz seus relatos autônomos e filma a cidade, apresenta um ponto de vista singular que aponta para uma subversão dos olhares mais convencionais sobre o ambiente urbano, num processo simbiótico entre o dispositivo da câmera – tomado aqui no sentido tecnológico e técnico, mas também narrativo (LINS; MESQUITA, 2008) - seu corpo, sua motocicleta, os trajetos que percorre e a cidade que atravessa. Em outras palavras, buscamos analisar os vídeos realizados por Mike em seus aspectos técnicos, formas estéticas e práticas políticas, entendidas aqui como a possiblidade de reconfiguração e, de certo modo, modificação do “comum” da “comunidade” (PELBART 2011, p. 30), bem como analisar nessa produção suas aproximações e distanciamentos em relação a outras narrativas audiovisuais construídas também sobre e na relação com o espaço urbano, tenham elas origem no cinema ou nos meios de comunicação. Com efeito, se entendermos as imagens da cidade produzidas no cinema, por exemplo, não como uma simples representação dessa cidade, mas como algo para o qual Comolli nos chamou atenção ao afirmar que “a cidade filmada é (...) aquela da transgressão, aquela que não é apenas um tema do roteiro, mas a própria forma de inscrição cinematográfica (...)” (2008, p. 182) podemos perguntar se tais percursos realizados pelo motociclista, ao mesmo tempo espaciais e narrativos, ao mesmo tempo do corpo e da câmera, do sujeito e da motocicleta, são capazes de descortinar e nos indicar um horizonte outro para a cidade, uma paisagem nova sobre o espaço urbano, reinventando o olhar sobre essa cidade e, assim, reinventando a própria cidade. Perguntamos também, na esteira dessas reflexões, a respeito das metamorfoses narrativas surgidas da interlocução permanente que Mike mantém com os seguidores de seu canal, já que propõe e realiza um diálogo intenso com as pessoas que lhe enviam mensagens e e-mails através da internet, “influenciando” esses seguidores e sendo por eles influenciado em seus vídeos. Vale chamar atenção ainda, como fator singularizante da produção audiovisual realizada por Mike, para o que podemos chamar de uma abertura para o real de seus vídeos, considerando que acontecem, em certa medida, de forma pensada, mas também, muitas vezes, no improviso, guiados por um desbravamento quase errático dos espaços pelos quais trafega. O processo de subjetivação engendrado em tal relação de uso da tecnologia digital, materializado sempre em planos-sequência, nos parece revelador de um olhar importante sobre a cidade, que nos ajuda a compreender tanto a presença da cidade na subjetividade dos sujeitos que a habitam como aspectos objetivos da vida urbana de hoje, como circulação, partilha, fluxos, deslocamentos e relações. |
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Bibliografia | COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
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