ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Catembe, Objecto Idiossincrático: Espaço e Género no Cinema Colonial |
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Autor | Érica Faleiro Rodriguess |
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Resumo Expandido | Catembe, é um filme português de 1965, realizado por Manuel Faria de Almeida, sobre a então capital de Moçambique, Lourenço Marques. Filme essencialmente documental (com fôlego e ambições), tem imagens aéreas soberbas da capital moçambicana, mostrando os triunfos arquitetónicos e urbanísticos do império colonial à mistura com imagens no terreno de brancos e negros nos seus variados estatutos e papéis. É um filme contraditório, que se por um lado mostra o que o regime quer propagandear, por outro exibe o que o estado quer esconder. Os sonhos e os pesadelos do império num mesmo objecto, o espaço e o género idealizados pela ditadura e os espaços e as questões de género interditos ou proibidos por essa mesma.
Uma quase ingenuidade (no dizer do produtor Cunha Telles), o modo como o realizador pensou a possibilidade de um objecto filmíco assim existir diante do regime de censura que se vivia. Devido à tesoura da censura salazarista, apenas metade dos 2400 metros de película filmada sobreviveram até os dias de hoje, tendo o filme sido censurado em extremo, e sofrendo a sua primeira versão 103 cortes e a destruição de parte da película filmada (a segunda versão foi sumariamente proibida). O fervor da censura começa logo na ideia de cortar a história de amor entre um pescador negro e uma prostituta branca (o filme é também idiossincrático por ser um documentário com momentos ficcionais inseridos pelo meio, o que hoje em dia se intitularia como um drama-doc). O facto de o filme prosseguir mostrando o modo como brancos e negros se separam no espaço diurno entre pobres e burgueses, dominadores e dominados, e se misturam à noite como conquistados e conquistadores, contribuiu para o tornar um objecto subversivo em extremo aos olhos dos censores. Na questão do género, esta obra mutilada torna-se relevante pelo facto de nos excertos que sobreviveram pudermos, com um olhar retrospeto, visionar pelo menos três dimensões da mulher no império colonial; A mulher branca de classe média carregando o puritanismo e a indolência inerentes ao seu posicionamento social A mulher negra africana que se mistura e se diverte com os homens brancos em bares Catembe, a branca que se prostitui e se apaixona por um negro Nos excertos que sobrevivem do filme, a mulher branca é desde logo, numa primeira instância, percepcionada como superficial e puritana. Em entrevistas a jovens mulheres e homens, essa futilidade e esse puritanismo são assumidos como inevitáveis. É como se nestas entrevistas tivéssemos diante dos olhos uma representação de uma mulher burguesa obediente e relativamente ociosa. O paradigma da burguesa, no esplendor do seu estereótipo internacional: ’Belle du Jour” num contexto colonial português. Como este cliché de mulher burguesa se enquadra numa tendência internacional vigente na época, será uma das questões relevantes a analisar. Por outro lado, as imagens da mulher negra, que se diverte em bares com os colonos portugueses, seria obviamente outro assunto a censurar. Estava desta forma registada em película, e de uma forma explicita, a capitalização da sexualidade da mulher africana. Este fenómeno do sexualizar da mulher “exótica” será analisado comparativamente em contraste com outras filmografias. Interessante no filme é, também, a série de tabus contidos na palavra Catembe: a dualidade do facto de Catembe não ser somente o nome de uma mulher, mas também o nome de um bairro pobre de pescadores africanos. Catembe é assim sinónimo de duas questões interditas para a propaganda fascista: a pobreza em que vivia a maioria das populações africanas e a mulher branca que assume e realiza a sua sexualidade com o negro africano. São estas idiossincrasias entre o ideal e o subversivo no espaço e no género que serão alvo de análise no texto. |
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Bibliografia | Barreno, Maria Isabel; Horta, Maria Teresa; Costa, Maria Velho da (1998). Novas Cartas Portuguesas. Lisboa: Publicações Dom Quixote
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