ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Arquivos, rastros, intervalos: os limites do visível e do enunciável |
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Autor | Jamer Guterres de Mello |
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Resumo Expandido | As abordagens de Michel Foucault (2010) sobre os sistemas de pensamento e as práticas discursivas parecem produzir um conjunto de questões pertinentes para pensar as relações entre o audiovisual contemporâneo e o estatuto do arquivo. Para Foucault, o arquivo não corresponde apenas a documentos materiais ou a um poder institucionalizado que os organize ou a um local que os abrigue, mas expressa um sistema de regularidades dos enunciados. O que interessa a ele é como se organiza aquilo que se cristalizou em uma determinada época como visível e enunciável. Foucault considera que o documento não é algo neutro, mas antes fruto de um efeito de poder das sociedades históricas a fim de conservar determinadas imagens do passado. Uma complexidade epistemológica é levantada pelo autor: quais formações discursivas são retidas ou excluídas, quais as formas e os limites do visível e do dizível que surgem em uma determinada época e como se confrontam os poderes institucionais que detém o controle destes regimes de visibilidade e dizibilidade?
Este trabalho busca investigar de que maneira os cineastas Harun Farocki e Péter Forgács captam a historicidade dos modos particulares de dizer e de fazer ver a partir de uma relação de tensão entre as diversas camadas do arquivo, de sua política interna e de suas premissas conceituais e materiais. Os arquivos são rastros que ligam dialeticamente o passado e o presente, o outrora e o agora. O confronto entre o visível e o enunciável faz do arquivo uma forma visual do saber e ao mesmo tempo uma forma conhecedora do ver. A obra do cineasta alemão Harun Farocki é considerada como uma espécie de historiografia contemporânea do pensamento através das imagens. Para ele, pensar através das imagens é provocar uma leitura atenta de seus traços, seus rastros, um gesto que tenta apreender as imagens e entender o funcionamento dos diferentes dispositivos de representação que dão forma às transformações que afetam os sujeitos de forma individual e coletiva. Já a obra do húngaro Péter Forgács – artista multimídia e cineasta independente que se autointitula um colecionador de memórias – explora a natureza complexa das imagens, um formato de cinema preocupado com a construção do pensamento. Seu interesse reside especialmente na forma como as imagens são criadas, montadas, percebidas e forjadas. Farocki e Forgács utilizam a linguagem cinematográfica para torturar as imagens no sentido de explorar suas visibilidades e seus enunciados de forma crítica (ELSAESSER, 2010). Ao justapor imagens desconexas, ao repetir as imagens e sobrepor diferentes análises através da narração, suspendem a imaginação e forçam as imagens a assumirem outras identidades. Criam outro pensamento para e com as imagens. Neste sentido, podemos pensar a relação entre o arquivo e seus rastros e intervalos, na organização de elementos heterogêneos, nas fendas na continuidade da história (DIDI-HUBERMAN, 2013). Tal associação dá conta de uma significação própria da profundidade singular de cada uma dessas imagens, ou melhor, da relação de distância e estranhamento que coloca em jogo uma exatidão que é da ordem de uma lacuna, de um intervalo. O arquivo possui uma característica essencialmente lacunar, ou seja, é de sua natureza manter uma relação intersticial com outras imagens. É interessante notar, portanto, que Harun Farocki e Péter Forgács exploram uma lógica foucaultiana na qual o arquivo funciona como uma descontinuidade que desmonta a história e, assim, torna-se incompatível com um alinhamento histórico e descritivo das imagens. Em outras palavras, podemos dizer que há uma montagem de intervalos no uso de arquivos, um mecanismo de desvelo das chamadas fraturas da história, evidenciando então seus próprios regimes de visibilidade e dizibilidade. |
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Bibliografia | BENJAMIN, W. Obras escolhidas I: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1987.
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