ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Ruína, monumento e periferia: modernismo em capitais da América Latina |
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Autor | Marilia Bilemjian Goulart |
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Resumo Expandido | A cidade – local de origem e ambiente de interesse cinematográfico desde os primeiros fotogramas – aparece com destaque na filmografia latino-americano das últimas décadas que, com diferentes abordagens, tem se voltado às novas e também antigas problemáticas que afetam as metrópoles do continente. Nesses filmes a cidade é, mais do que cenário, um elemento central na construção dramática, seja pela forma como ela é retrabalhada audiovisualmente, seja por impulsionar situações e conflitos (conflitos esses que em algumas ficções são sugestivamente enfrentados por personagens arquitetos).
Dentro desse conjunto, AU3: autopistacentral (Alejandro Hartmann, 2010), Pelo Malo (Mariana Rondón, 2013) e A cidade é uma só? (Adirley Queirós, 2011) lançam o olhar sobre as implicações no presente do projeto urbano moderno em Buenos Aires, Caracas e Brasília. Com histórias e desenvolvimentos específicos, as capitais da Argentina, Venezuela e Brasil têm em comum o impacto do urbanismo e da arquitetura moderna que associados à cenários políticos repressivos, deixaram marcas nas configurações de seus espaços. No documentário AU3 são problematizadas as cicatrizes do Plan de Autopistas, contundente e brutal manifestação da planificação funcionalista, autoritária e tecnocrata implementada na mais sangrenta ditadura argentina. Iniciado em 1977, muitas das casas desapropriadas permaneceram parcialmente demolidas com a interrupção do Plano. No filme os vestígios das demolições são trabalhados com delicadeza e recebem atenção ímpar da câmera que se detém em objetos, vaga por destroços e acompanha também a retomada das demolições no presente fílmico. Mais do que expressar a ação do tempo, as ruínas deixadas pelo Plano inconcluso dão materialidade à destruição promovida sob a égide do ideal de progresso. Como imagens dilacerantes da ditadura que arrasou a argentina, as ruínas podem ser pensadas também como alegoria dos desaparecimentos promovidos pelo Estado. O venezuelano Pelo Malo se estrutura em torno do conflito entre duas forças: uma afetiva e lírica e outra dura e ordenadora. O atrito entre os polos, representados na tensão entre mãe e filho, é produzido também pelo modo como os espaços são construídos na tela. Nessa construção dramática, o Conjunto 23 de Enero – principal locação do longa – tem papel central e irá em alguns momentos se impor sobre os personagens com sua rígida estrutura e em outros surgir através de uma decupagem mais leve e lírica. Como o Plan de Autopistas, 23 de Enero também foi realizado sobre o comando militar que, com a sugestivamente denominada Política de Cimento Armado alterou a configuração da cidade e buscou combater o “cinturão da pobreza”. Em comum ambos projetos de dimensão faraônicas buscaram imprimir a marca do regime na cidade. Como no caso do Plano de Avenidas, o intento também não se realiza plenamente em Caracas. Com a queda do ditador o Conjunto foi ocupado por famílias que o rebatizaram e deram outro uso às diversas áreas do monumento modernista. Por fim, como 23 de Enero, a Ceilândia pode ser pensada como um reordenamento de um projeto urbanístico a partir da realidade local. Impedida de permanecer no Plano Piloto – mais emblemático exemplo do modernismo brasileiro – a população pobre foi removida para as longínquas periferias da capital. Em A cidade é uma só? a crítica é lançada com humor e ironia através do resgate da campanha que levou a população à Ceilândia e também com dois personagens emblemáticos da formação da capital brasileira: um aspirante à político e outro que trabalha loteando e vendendo terrenos. Juntos, os dois se perdem nas estruturantes avenidas da capital e andam com destreza nas informais ruas da periferia. Através do conjunto selecionado é possível refletir sobre as estratégias e poéticas articuladas nas produções audiovisuais que, cada qual a seu modo, problematizam projetos urbanos e seus impactos nas metrópoles da América Latina. |
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Bibliografia | ARGAN, Giulio. O modernismo. In: ____. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporãneos. São Paulo: Cia das Letras, 2008.
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