ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | A Música e a emoção no âmago do documentário de Santiago Álvarez |
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Autor | Marcelo Vieira Prioste |
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Resumo Expandido | É praticamente consensual entre os pesquisadores do documentário que alguns aspectos da renovação de linguagem promovido pelo cubano Santiago Álvarez Román (1919-1998) passam pela intensa articulação entre música e emoção. Uma orientação que começa a delinear-se a partir de 1963, ao dirigir um noticiero sobre a morte do cantor cubano Benny Moré (1919-1963), o Bárbaro del Ritmo, e se torna sua marca registrada, presente em diversas outras obras reverenciadas em sua carreira, como Ciclón (1963), Now! (1964) e L.B.J. (1968).
Dentro deste cenário, auge do compromisso entre a arte cinematográfica e o processo revolucionário cubano, esta análise identifica na obra de Santiago Álvarez as circunstâncias em que a música começa a assumir em seus filmes um protagonismo decisivo. Naquela ocasião, o diretor cubano se conscientizou de que o documentário poderia ser composto por uma enunciação mais diversificada, além do então consagrado distanciamento enunciativo – e afetivo – do narrador sobre os fatos narrados. Procedimentos estes herdados do cinema educativo e do jornalismo. No início, os dois primeiros filmes assinalados em sua filmografia, Escambray (1961), co-dirigido com Jorge Fraga, e Morte ao Invasor (1961), em conjunto com Tomás Gutiérrez Alea, ainda não demonstravam a inventividade que distinguiria as suas produções ao longo da década de 1960. Naquela ocasião as atenções estavam mais voltadas a “[…] captar a espontaneidade do momento revolucionário e a resposta popular a ela em Cuba” (MALITSKY, 2013, p. 12). A produção dos noticieros, que nasce imbuída de uma função política, colocando-se como contraponto aos outros informativos existentes à época, nas primeiras edições reproduzia de maneira convencional o modo expositivo de trazer as notícias para as salas de cinema e, apenas com o passar do tempo, as experimentações de imagem e som vão se intensificando. Porém, o dia 19 de fevereiro de 1963 se tornaria uma data de dupla significação para a cultura cubana. Dia em que nascimento (simbólico) e morte (real) convergiram. A morte foi a do Barbaro del Ritmo, Bartolomé Maximiliano Moré, conhecido como Benny Moré (1919-1963), que alcança sucesso a partir de 1953 integrando a orquestra de Bebo Valdés, para depois formar a sua “big band”, a Banda Gigante, consagrando-se no ritmo do bolero, do mambo e da guaracha por diversos países. Sua música se espalhou por Panamá, Colômbia, Venezuela, Haiti, Brasil, Porto Rico, México e até a colônia latina em Nova York, tornando-se um dos maiores ídolos da música popular cubana (CONTRERAS, 2003). E o nascimento citado corresponde ao momento em que Santiago tomaria consciência de que a narrativa documentária pode ser composta por um matiz de enunciação mais amplo, além daquele recorrente pelo distanciamento do narrador em relação aos fatos narrados. Isto ocorreu no momento em que, conduzido pela emoção, teve de produzir um noticiero sobre a morte e documentar os rituais fúnebres do seu ídolo Moré. É neste momento que Álvarez percebe o campo aberto às possibilidades do cinema documentário ter como matéria-prima uma mescla de emoção e informação. Neste cine-jornal há um estranhamento advindo dos registros de choro e consternação protagonizados pelos inúmeros fãs de Moré em contraste com a trilha sonora, feita pelo inusitado uso de temas musicais alegres e descontraídos do cantor cubano. Dali em diante (1963), fica claro na filmografia de Álvarez como ele percebe uma porosidade na linguagem do documentário. É suscetível a receber elementos de outras ordens, desde a afetividade daquele que filma, que não se reduziria mais à escolha do tema, nem tampouco as entrevistas e depoimentos, mas também a absorver o som e a imagética numa diegese em que tudo gera sentido, tem um direcionamento. Na cabeça do diretor dos Noticieros Icaic Latinoamericanos, a partir de então, a inquietação em se expor contaminaria a articulação entre imagem e som, nascida ali, por entre lágrimas e ao ritmo do mambo. |
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Bibliografia | ARAY, Edmundo. Santiago Álvarez: cronista del tercer mundo. Caracas: Cinemateca Nacional, 1983.
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