ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Vamos brincar de índio? Imagem, história e tradição |
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Autor | Samuel Leal Barquete |
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Resumo Expandido | Rio de Janeiro, 1989. Crianças Xavante são praticamente arrastadas pela apresentadora do programa infantil para entrar na roda e “brincar de índio”. Mato Grosso, 1950. Índios Xavante nus saem de suas casa armados com arco e flecha e miram para a câmera, que os enquadra do alto de um avião em movimento. São Paulo, 2008. Um homem Xavante recebe um prêmio de reconhecimento ao trabalho de mediação cultural que ele realiza em uma ONG.
A partir de situação como as descritas acima, o artigo tomará como tema a relação entre cinema e história para pensar as implicações da representação das culturas indígenas em imagens. Entre as diversas formas com que esse processo se manifesta, privilegiaremos as imagens que nos dão a ver a tensão implícita entre duas concepções de processo histórico: por um lado uma história linear calcada na noção de progresso que polariza natureza e cultura; por outro, uma noção de história espiral, baseada em processos cíclicos de conciliação entre natureza e cultura. Nas imagens procuraremos ressaltar a tensão que caracteriza tal sobreposição, demonstrando em que medida ela decorre da objetificação em imagens de uma cultura não-moderna a partir de um aparato técnico profundamente ligado à noção de modernidade. Para isso, partiremos da definição do antropólogo Bruno Latour (1994) de modernidade e não-modernidade enquanto dois modos distintos de mediação entre natureza e sociedade. A noção de montagem, tomada em sentido amplo, servirá como ponto de apoio para o desdobramento dessa distinção, notadamente a partir do pensamento de Georges Didi-Huberman (2003). Procuraremos entender a montagem como um processo que se efetiva na imagem, e que faz conviver nela narrativas irreconciliáveis. E outras palavras, tomaremos a imagem como testemunha necessariamente parcial do processo que procuramos observar. Entende-se que é exatamente na sua parcialidade que reside sua capacidade de evidenciar a tensão que temos em vista. Com base nesse corpo teórico, invocaremos um conjunto heterogêneo de imagens, a saber: arquivos de programas televisivos da década de 1980, fotografias de reportagens jornalísticas da década de 50, vídeos produzidos no início da década de 2000. Em comum, a presença da cultura Xavante como índice de cultura. Qual noção de história predomina será a pergunta que iremos dirigir ao material. O que se mostra e o que se dá a ver nessa imagens? Como elas fazer a mediação entre mundo natural e mundo social? Como elas fazem conviver nelas os híbridos? Para dar conta dessa discussão, recorreremos ao pensamento pós-colonial, notadamente o trabalho de Homi Bhabha (2007), para tentar entender a cultura como local de enunciação e performatização da diferença. A presença da cultura Xavante em diferentes contextos implica em diferentes enunciações de si, e consequentemente coloca de maneiras diversas a questão política em que está envolvida. O modo como é feita e de onde parte essa enunciação é o ponto central da análise. Ao se dar a ver em termos de performance étnica mais ou menos calculada, os Xavante se inserem em um dispositivo que engendra imagens que inauguram uma cena política, conforme a concepção de Jacques Ranciére (1996). Esse tipo de risco calculado a que eles se submetem é o que Manuela Carneiro da Cunha (2009) irá chamar de “cultura com aspas”, a etnicidade que se dá a ver nas instâncias oficiais do Estado nacional. São as múltiplas maneiras com que a cultura indígena se dá a ver que o artigo procurará explorar. A partir do corpus teórico indicado e das imagens tomadas como objeto, a análise irá demonstrar de que maneira diferentes enunciações imagéticas da cultura indígena apontam simultaneamente para modos distintos de conceber tanto a história quanto a política. |
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Bibliografia | BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007
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