ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Narciso, seus novos espelhos e o que Alice encontrou ao atravessar um |
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Autor | Marcius Freire |
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Resumo Expandido | Resumo expandido
A presente proposta tem como objetivo apresentar os desdobramentos da pesquisa cujos primeiros resultados abordamos no encontro passado e que dizia respeito aos filmes de dispositivo e autobiográficos. Se na apresentação anterior nosso foco ficou mais centrado na primeira modalidade, agora queremos dar ênfase à segunda que foi apenas esboçada naquela ocasião. Retornaremos à ideia de que a proliferação de artefatos audiovisuais de caráter reflexivo, voltados para o “eu” do próprio realizador, é o corolário não apenas do individualismo que grassa em nossa contemporaneidade, mas também do narcisismo que subjaz – ou deriva - ao culto à individualidade de nossos dias. Jean Rouch será, mais uma vez, nossa referência maior. Em seus filmes estará ancorada nossa reflexão, pois, como iremos demonstrar – mesmo isso já tendo sido encetado no encontro anterior - suas realizações dos anos 1950, de Jaguar a Crônica de um verão, são os modelos mais evidentes dos tantos e cada vez mais numerosos filmes em primeira pessoa a que assistimos nos dias de hoje. Para Christopher Lash, em seu livro A cultura do Narcisismo, “Se os anos sessenta era a “Era de Aquário”, do engajamento social e da revolução cultural, os anos setenta não demoraram a ser identificados como a era do egocentrismo e do recolhimento político”. E ele continua algumas páginas à frente, “... os narcisos contemporâneos sofrem de um sentimento de inautenticidade e de vazio interior. Eles têm dificuldade de se conectar com o mundo. Se a comunicação presencial, física, está cada vez mais problemática, as interações pessoais se fazem por intermédio dos inúmeros veículos que os meios digitais propiciam. Das redes sociais ao Youtube, tudo pode ser veiculado aos quatros cantos do planeta via Internet. E, no mais das vezes, são os próprios sujeitos, os autores dos artefatos que são os objetos de sua própria mirada. As objetivas, sejam elas de celulares, de minicâmaras ou de aparelhos mais sofisticados, se voltam para si; eu sou o meu personagem. No campo cinematográfico temos presenciado a uma eclosão de filmes em que as lutas pessoais, os dramas individuais, os conflitos existenciais vêm ocupando um espaço cada vez mais importante no território do filme documentário. Ajudados pelas facilidades trazidas pelo digital e suas inúmeras possibilidades expressivas, o coletivo vem cedendo espaço ao individualismo. Produções voltadas para o próprio umbigo do realizador vão de par com uma indisfarçável supervalorização do eu em que está mergulhada a sociedade contemporânea. Seja na forma de autobiografias, seja na forma de autorretratos, o “eu” dos realizadores está roubando a cena às preocupações sociais dos anos 1950, 1960, 1970. Representações (não precisamos repetir que o documentário é sempre uma forma de representação) do mundo histórico cedem o passo às representações do estado de espírito do documentarista. Dois filmes relativamente recentes ilustram bem o tipo de produção a que estamos nos referindo: Passaporte húngaro (2002), de Sandra Kogut, e 33 (2004), de Kiko Goifman. Esse estado de coisa nada mais é do que o reflexo mais literalmente visível (cinema, televisão, internet...) da sociedade do espetáculo de que já falava Guy Debord nos idos de 1967. Como que querendo por em prática a todo custo o vaticínio de Andy Warhol em 1968: In the future, everyone will be world-famous for 15 minutes. E o futuro já chegou há algum tempo. Vivemos hoje a cultura do narcisismo exacerbado em que todos querem se tornar celebridades, mesmo que por apenas alguns poucos minutos. As fotos no instagram são a melhor prova disso. Os elementos acima arrolados serão a espinha dorsal da nossa apresentação. |
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Bibliografia | BALINT, Alice, FENICHEL, Otto, FERENCZI, Sandor et Collectif, « L’Identification. L’Autre c’est moi ». Paris : Tchou Éditeur, 1998.
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