ISBN: 978-85-63552-17-4
Título | Mudança e permanência – memória, recepção e o cânone literário |
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Autor | MARCELA DUTRA DE OLIVEIRA SOALHEIRO CRUZ |
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Resumo Expandido | Neste artigo propomos que a relação estabelecida pelo leitor intermediático com o que lê nas páginas, assiste nas telas e o seu processo subjetivo de atribuição de sentido são experiências da ordem da memória que redundam na espiral de referências – conceito elaborado por nós e já problematizado em oportunidades anteriores. Estes processos se dão de forma dinâmica e se desenrolam de forma inter-relacionada, simultaneamente e em diferentes esferas.
A nossa hipótese é de que as imagens audiovisuais modificam a memória e, consequentemente, o cinema e as suas imagens retrabalham a memória cultural circulada do cânone literário através da interação entre esta memória e a memória individual do sujeito espectador. Propomos que estes processos de leitura, espectatorialidade e memória se alimentam entre si, inseridos em um amplo espectro de intermedialidade, como proposto por Adalberto Müller em Linhas Imaginárias (2012): as adaptações audiovisuais realizam sua interlocução com o que se conhece pelo cânone – com a sua memória cultural circulada – assim, relacionando-se mais intimamente no contexto desta memória mais difusa preexistente, na qual o espectador está inserido. Dessa forma, a experiência de recepção deste espectador, criada através das referências audiovisuais, será de suma importância para a sobrevivência desta memória. Posteriormente, ela será instrumental na sua produção de conteúdo, inserindo o leitor em um contexto de participante e contribuinte da concepção do cânone com o qual estabelecerá laços referenciais. Propomos, então, a partir dessas afirmações, que as adaptações e apropriações, representadas por essas novas versões serão agregadoras de elementos à memória do cânone, e terão uma íntima relação com a sua permanência. A relação afetiva que o espectador estabelece com cada escolha representada nas diferentes adaptações que assistir vai determinar quais referências serão impressas na sua memória. Percebemos, então, a existência de uma relação subjetiva e afetiva de troca entre a memória cultural do cânone e a memória do leitor intermediático. É essa sensação de jogo intrínseca, produzida, em parte, pela ativação da nossa consciência informada de semelhança e diferença entre os textos sendo evocados, conectada a uma relação de expectativa e surpresa, que, para mim, está no cerne da experiência da adaptação e da apropriação (SANDERS, 2006, p.24). Uma possível demanda pela sua conservação faria um desserviço ao cânone. A imobilidade, neste caso, é cristalizadora. Percebemos que ela é inimiga exatamente daquilo que lhe injetará vivacidade: o potencial criativo do texto fonte, a sua disponibilidade para a troca. É evidente a importância destes produtos para a fluidez da memória cultural do cânone e, consequentemente, para a sua manutenção enquanto objeto de ressignificação e reapropriação. Remetemo-nos aqui à imagem do fio extensível, caracterizado por camadas justapostas de referências e que redunda no efeito espiralado da memória. O arcabouço imagético provido pelas novas versões terá poder de alterar, de interferir, de tornar-se objeto de citação posterior. O dinamismo característico desse sujeito espectador e leitor, perceptível exatamente pelo seu processo de produção de sentido, será não só crucial para inserir a memória desse cânone em um jogo de interreferências, trocas e citações, mas também será o que lhe emprestará vivacidade. A vitalidade, perceptível através da flexibilização da memória do cânone, está exatamente na inércia que é inerente ao movimento. Enquanto houver produção de referências, também há de haver citações. E mais versões. E a espiral permanecerá crescendo e se desenvolvendo, expandindo-se e se retraindo, distanciando-se e se aproximando, mas nunca perdendo o ponto inicial. |
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Bibliografia | ASSMAN, Jan Communicative and cultural memory. In: ERLL, Astrid e NÜNNING, Ansgar (Ed) Cultural Memory Studies. Berlim: Walter de Guyter 2008
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