ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | A fotografia como instrução documentarizante em Diários de motocicleta |
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Autor | Sancler Ebert |
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Resumo Expandido | Neste trabalho vamos analisar como o filme Diários de motocicleta (2004), de Walter Salles, utiliza a fotografia still e referencia o trabalho de fotógrafos documentais para instruir leituras documentarizantes (Odin, 2012). O filme conta com três sequências em preto e branco (diferentemente do restante da obra que é em cores), nas quais figurantes e pessoas comuns posam para a câmera como fossem ser fotografados, olhando diretamente para a lente na espera do seu retrato. Embora os “fotografados” fiquem parados para o registro, a câmera cinematográfica continua a registrar os pequenos movimentos: o piscar dos olhos, o funicular que desce ao fundo da imagem ou o cavalo que move sua cabeça ao lado de um personagem. Tais sequências emulam a fotografia still, embora não sejam propriamente imagens sem movimento. Além disso, podemos perceber referências ao trabalho de fotógrafos documentais como Walker Evans, Robert Frank, Martín Chambi e Sebastião Salgado: pela escolha dos personagens, pelos enquadramentos, pelos cenários, pelo olhar frontal e pela decisão em registrar as imagens em preto e branco.
Nossos objetivos aqui são refletir o que essa emulação proporciona à obra, compreender a escolha por essas referências e discutir como esses dois pontos possibilitam instruções de leitura documentarizante. Odin (2012) sugere que o grau de referência à realidade do filme pode ser considerado como uma das possíveis oposições entre ficção e documentário. O que os distinguiria seria o tipo de leitura realizada pelo espectador: caso a imagem construída considere a origem do enunciador como inexistente ou fictícia, se constitui uma “leitura fictivizante”; por outro lado, se o espectador construir uma imagem do enunciador como sendo real, há uma “leitura documentarizante”. Odin propõe que além da leitura empreendida pelo espectador, o filme pode instruir leituras documentarizantes e fictivizantes, por meio de certos elementos, como no caso de Diários de motocicleta, pelo uso da fotografia. Para a análise, utilizaremos como metodologia a intermidialidade, teoria que pensa a relação entre as mídias, como o cinema e a fotografia, nosso exemplo aqui. Rajewsky (2012) propõe três fenômenos intermidiáticos. Focaremos neste trabalho em dois: a combinação de mídias, quando temos mais de uma mídia visível em outra, como em Diários de motocicleta no qual a fotografia still apresenta suas características, para além daquelas já associadas a fotografia cinematográfica; e as referências intermidiáticas, quando temos a citação de uma mídia em outra, algo que também percebemos no filme de Salles, que referencia o trabalho de fotógrafos documentais já citados. Tais fenômenos serão pensados a partir das reflexões de Barthes (1984), Dubois (1994), Sontag (2007), Belour (1997), Aumont (2009) e Campany (2008). Vamos discutir as diferenciações entre cinema e fotografia, como na questão do olhar, que é esperado na fotografia (BARTHES, 1984) e “proibido” no cinema clássico (DUBOIS, 1994), pois ele pode tirar o espectador da imersão cinematográfica. Também nos debruçaremos sobre como as duas mídias se relacionam com o tempo e como a emulação da fotografia no cinema pode criar o que Bellour (1997) chama de “instante pregnante”: “(...) esses instantes que suspendem o tempo do movimento, abrindo no interior do tempo um outro tempo? Em primeiro lugar, por fazerem o filme pender para o lado da fotografia e de sua força em inscrever a morte” (BELLOUR, 1997, p. 138). Outro ponto que vamos explorar é a carga documental própria à fotografia por sua constituição como índice. “A foto é literalmente uma emanação do referente” (BARTHES, 1984, p. 120-121). Por meio desses e outros questionamentos poderemos refletir como a relação entre fotografia e cinema em Diários de motocicleta instrui as leituras documentarizantes propostas por Odin (2012). |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 2009.
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