ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | A “quebra” do quadro e o corpo abstrato em O Pátio (1959) |
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Autor | Juliana Froehlich |
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Resumo Expandido | Três proeminentes artistas do Grupo Frente e do movimento Neoconcreto, Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica, caminharam paralelamente com suas produções entre a década de 1950 e meados de 1970. Entre as principais propostas desses artistas durante o Grupo Frente, destaca-se a quebra da moldura do quadro e a inserção da pintura no espaço, como apontava Piet Mondrian, uma das referências do grupo: “Pelo que sei, fui o primeiro a colocar a pintura na frente da moldura, em lugar de colocá-la dentro dela” (MONDRIAN, 1999, p. 368). Tal projeto, de raiz abstrata, referente ao limite dado pela moldura continua presente nas obras dos artistas no movimento Neoconcreto. E, assim que a pintura adentra o espaço, o corpo, tanto do artista quanto do espectador, é convocado a constituir as obras de arte. Na obra abstrata neoconcreta as linhas e cores rompem o limite do quadro conquistando o espaço habitado pelo corpo. O filme O Pátio se aproxima das obras e projetos desses três artistas no que diz respeito ao pensamento da abstração e da organicidade da expressão de planos, especificamente, à quebra da moldura, à abstração de partes que constituem um todo e à relação do corpo inserido na obra e no espaço como parte do mesmo “mundo”(Merleau-Ponty, 2004).
No curta, o quadro, elemento mínimo do cinema e limite formal dado pela câmera, é diluído em quadrados pretos e brancos. A forma que enquadra é (re)vista, não só pelas formas geométricas, mas também pelos dois corpos que se movem em meio ao quadriculado e são recortados pelos “limites” do quadro. Logo, a câmera que limita é a câmera que desenha linhas por vezes retas e por vezes vivas. Os corpos exploram o quadro, habitam suas margens e nelas rastejam. O mesmo quadro que enquadra, desenquadra. A montagem, ao relacionar linhas retas com as linhas orgânicas do corpo e da paisagem, e ao infinito da linha do horizonte, expande o quadro delineando um espaço. “Mais plus il (le cadre) est ténu, mieux le hors-champ réalise son autre fonction, qui est d’introduire du trans-spatial et du spirituel dans le système qui n’est jamais parfaitement clos. (DELEUZE, 1983, p.31). Ou seja, quanto mais os corpos ocupam os limites do quadro, mais amplo se torna o espaço que eles ocupam. Entre (des)enquadramentos e montagem os elementos dos corpos se integram ao mesmo espaço que habitam e nele se expressam. “O corpo é para a alma seu espaço natal e a matriz de qualquer outro espaço existente.” (Merleau-Ponty, 2004, p. 31) Portanto, em consonância particularmente com o neoconcretismo, O Pátio desenvolve a expressão pela forma, o conceitual pelo sensorial e nos apresenta que os mesmos corpos que se veem e se buscam, se tocam. Do modo análogo, o neoconcretismo em seu manifesto escrito por Ferreira Gullar em 1959 e assinado pelos artistas, fundamenta-se na arte abstrata de vanguarda, como a de Mondrian e na fenomenologia de Merleau-Ponty, em busca de uma arte expressiva que insere o corpo em sua experimentação. Gullar escreve: “Não concebemos a obra de arte nem como ‘máquina’ nem como ‘objeto’, mas como um quase-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica” (Gullar, 1959/1977, p. 82). A arte não-figurativa se aproxima do filme não-narrativo, eles se tocam naquilo que pertence ao pensamento do “real”. O abstrato não é menos real que o figurativo, assim como o filme narrativo não contempla mais a realidade do que o filme abstrato. “Figurativa ou não, a linha em todo caso não é mais imitação das coisas, nem coisa.” (Merleau-Ponty, 2004, p. 40). Por fim, o filme é anunciado nos créditos como experimental, caráter que Hélio Oiticica vislumbra em sua obra a partir de 1959. “em suma o experimental não é ‘arte experimental’. os fios soltos do experimental são energias q (sic) brotam para um número aberto de possibilidades” (Oiticica, 1972, p.5, grifos do autor). |
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Bibliografia | AMARAL, A (Ed.). Projeto construtivo na arte brasileira: (1950-1962). RJ: Museu de Arte Moderna; SP: Pinacoteca do Estado, 1977.
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