ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | As proximidades do ensaio em “Diego Velázquez ou le réalisme sauvage” |
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Autor | Eduardo Paschoal de Sousa |
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Resumo Expandido | As pinturas do espanhol Diego Velázquez pairam na tela como paisagens. São reveladas em minúcias, por sucessivas aproximações e movimentos de câmera que mostram o craquelado da tinta à óleo, os detalhes de luz e sombra. Uma voz over conduz a pista sonora, descrevendo as telas para além do que se vê, aproximando seu discurso de uma poesia de impressões, enquanto contextualiza a vida do pintor e suas fases artísticas.
O filme Diego Velázquez ou le réalisme sauvage (2015), do diretor brasileiro Karim Aïnouz, é um documentário denso, que utiliza a plasticidade da obra de arte com a profundidade da poesia e do ensaio na narrativa. Ao unir quadros de Velázquez a paisagens atuais e deslocamentos contemporâneos, que algumas vezes ganham textura com a granulação da imagem, busca recriar o contexto das obras e atualizar as impressões do espectador, usando da linguagem cinematográfica para expandir a obra de arte. O presente artigo busca analisar o longa como um documentário que se aproxima mais de um cinema de impressões que das características clássicas documentais – abordadas em profundidade por Nichols (2005), Ramos (2008) e Gauthier (2011) – gerando uma obra híbrida, muito próxima do filme-ensaio. A ideia de filme-ensaio parte primeiro do conceito de ensaio derivado da literatura. É, segundo Machado (2003:64), uma “certa modalidade de discurso científico ou filosófico, geralmente apresentado em forma escrita, que carrega atributos amiúde considerados ‘literários’”. O autor elenca como características próprias a esse tipo de texto a subjetividade no enfoque do tema tratado, deixando claro quem é o sujeito que fala, de onde se constrói o enunciado; a eloquência da linguagem e a consequente preocupação com o texto e sua expressividade; e a liberdade do pensamento, que trata da produção do discurso como uma criação, ao invés de uma simples cadência de ideias. Dessa forma, o ensaio se distanciaria dos relatos científico e acadêmico, em que a linguagem atua como instrumento para transmissão de uma ideia, ou ainda do tratado, que busca uma organização de um campo do conhecimento. A essas características, López (2015:52) acrescenta que é particular ao ensaio a narrativa fragmentada, não-linear e com múltiplos níveis de sentido. Também é típico do ensaio um estilo híbrido, no emprego de diferentes meios e formas, uma visão subjetiva que se aproxima mais do sonho e da imaginação que da objetividade narrativa. Ao analisar com o ensaio chega ao cinema, Gervaiseau (2015:97) faz uma retrospectiva desse conceito, primeiro com Montaigne, um dos primeiros teóricos a sistematizar o que seria o estilo ensaístico e para quem a definição da palavra ensaio é, em última instância, uma experiência: “o ensaio é análise, demonstração, ponderação, avaliação (...), mas igualmente e, sobretudo, um colocar em palavras essa experiência”. O autor retoma esse conceito também em Adorno, para quem o ensaio é a grande forma de expressão que a palavra pode alcançar. É esse estilo que “coordena elementos, ao invés de subordiná-los”. Stam (2015:123) também cita Montaigne e Adorno quando trata sobre o tema, mas sintetiza que uma das características mais significativas do ensaio clássico, é uma liberdade de invenção, “que possibilita a indulgência em uma estética digressiva na qual preocupações superficialmente periféricas ao tópico assumam o primeiro plano”, ou seja, há uma alteração na maneira hierarquizada de narrar. No ensaio, todos os pontos de uma ideia ganham o mesmo peso interpretativo, ainda que não estejam no cerne da questão tratada. Analisaremos como essas características do ensaio fílmico estão presentes no documentário de Aïnouz e se tornam o centro da narrativa, fundamentais para a construção da diegése na obra e da sensação de experiência do espectador com o filme e, em maior profundidade, com a própria obra de Velázquez. |
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Bibliografia | AUMONT, J. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
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