ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Vídeo nas Aldeias e a fabulação indígena |
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Autor | Ana Carolina Cernicchiaro |
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Resumo Expandido | Além de colocar o recorte cultural e linguístico do cinema brasileiro em questão, o projeto Vídeo nas Aldeias - que desde 1986 vem realizando oficinas de formação audiovisual em diferentes comunidades indígenas - evidencia problemáticas caras à teoria do documentário na atualidade. Pensemos, por exemplo, no esboroamento da autoria: a maioria dos filmes do projeto são produzidos coletivamente pelos indígenas e discutidos por todos da aldeia. Podemos pensar também na problematização da hierarquia entre aquele que detém a câmera e aquele que tem sua imagem captada: ao entregar a câmera aos indígenas, o projeto levanta um debate sobre a ética da alteridade envolvida na relação documentarista-documentado. Sem falar na nebulosidade das fronteiras entre real e ficção que estes filmes evidenciam, na construção do real que o acontecimento fílmico proporciona: a arte cinematográfica é utilizada pelos indígenas como instrumento de performatividade e fabulação, mas também de rememoração e reinvenção do cotidiano a partir do passado. Os cineastas utilizam a tecnologia branca para contar sua própria história, resgatar sua tradição, refletir sobre a captura de sua imagem, rememorar suas lutas e ganhar visibilidade. De forma que o cinema assume aquela que, segundo Deleuze, seria a tarefa da arte: "não dirigir-se a um povo suposto, já presente, mas contribuir para a invenção de um povo" (DELEUZE, 1990, p. 259). O acontecimento fílmico assume, assim, um gesto político, capaz de provocar um pensamento sobre nós enquanto outros, mas também de liberar o murmúrio dos vencidos sob a história, capaz de, como afirma Rancière, "reconstruir o âmbito de nossas percepções e o dinamismo de nossos afetos", de abrir "passagens possíveis para novas formas de subjetivação política" (RANCIÉRE, 2014, p. 81) que redefinem o que é visível, o que se pode dizer deste visível e que sujeitos são capazes de fazê-lo. Um gesto capaz de reconfigurar a experiência comum do sensível, de reembaralhar as fronteiras entre sujeito e objeto, visíveis e invisíveis, dizíveis e indizíveis, mesmidade e alteridade. Um gesto capaz de assumir uma outra ontologia, uma ontologia na qual o ser, nos mostra Jean-Luc Nancy (2006), é um ser-com que circula no com e pelo com da co-existência singularmente plural. Daí que, para o autor de Ser Singular Plural, existir é sempre co-existir, ex-istir, existir para fora, para o outro. De forma que a essência da existência humana está no ex, como exílio do eu na exterioridade, na alteridade, na multiplicidade e na alteração (NANCY, 1996, p. 35). Afinal, nos lembra Emmanuel Lévinas, é na “incessante implosão da identificação”, na “ignição da pele tocando”, no Mesmo que desperta de si, “desembriagando-se de sua identidade e de seu ser” (2008, p. 52) que está a vivacidade da vida. A arte como este espaço onde o eu desaparece para reaparecer como nós - Nancy diz que a verdade do ego sum é um nos sumus (2006, p. 49) -, para se ex-por como "devir entre multiplicidades" (DELEUZE; GUATTARI, 2008, p. 33), como ser aberto, como ser-com, no e pelo mundo. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
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