ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Aki Kaurismäki: corpos melodramáticos que engolem as próprias lágrimas |
|
Autor | Caio Neves de Castro |
|
Resumo Expandido | Sem circunscrever nossa análise a filmes específicos, observaremos algumas dissidências praticadas por Aki Kaurismäki em relação às convenções estéticas do melodrama. Entre elas destacamos a introversão excessiva de seus personagens e o excesso do tableau de sua mise-en-scène minimalista. Que, segundo o cineasta, pretende fazer de Robert Bresson um grande diretor de épicos.
Para José Enrique Monterde (2000), se retomarmos o princípio de Jean-Luc Godard de que “um travelling é uma questão de moral”, o mesmo poderia ser dito em relação à maneira como Kaurismäki conduz a mise-en-scène de seus filmes. Esta se articula em torno de personagens lacônicos, introspectivos e que pouco se movimentam dentro dos enquadramentos compostos pelo cineasta. O que resulta em filmes simultaneamente afinados e estranhos à extroversão vigente na retórica melodramática. Na filmografia de Kaurismäki, o excesso se dá pela contensão, de tal forma que o melodrama, gênero marcado pela abundância de lágrimas, aprende a “engolir seu choro”. Nesse sentido, Kaurismäki ancora sua obra, desde o primeiro filme, na trajetória de uma única persona: Nikander . Essa entidade compreende as características gerais de seus protagonistas, homens de baixa renda com uma visão romanceada do mundo. Desse modo, por possuirem uma renda incompatível com as demandas de consumo no bojo de uma sociedade de consumidores, os corpos que dão vida a “Nikander” são automatizados pelo cotidiano e impedidos de desenvolver aspectos de sua subjetividade. Além disso, o realizador trabalha com o mesmo elenco ao longo de sua filmografia, aspecto que acentua a experiência de construção de uma persona única e idealizada. Portanto, “Nikander” pode chamar-se, simultaneamente, Lauri, Lujanen ou Koistinen e trabalhar como motorista, soldador, guarda noturno, etc. Ao mesmo tempo, uma vez que a mise-en -scène compreende diversos artifícios além da atuação, cabe sinalizarmos outros aspectos estéticos das cenas compostas por Kaurismäki. Nesse sentido, destacamos que os ambientes onde se passam as narrativas criadas pelo cineasta finlandês são absolutamente estilizados, ao ponto que a Helsinque retratada em sua obra foi apelidada de Kaurismäkisinki ou Akiland . De acordo com essa perspectiva, a estética adotada por Kaurismäki tem um caráter atemporal, reforçado pela presença de ambientes pouco cosmopolitas, carros antigos, vestimentas fora de moda e ausência de dispositivos tecnológicos como computadores e telefones celulares. Ademais, esses elementos são exibidos em enquadramentos abertos que realçam a solidão dos personagens que quase não se movimentam em cena. Dessa forma, Kaurismäki utiliza sua mise-en-scène para questionar aspectos da retórica e da moral melodramática, resultando em certo distanciamento entre audiência e narrativa, algo incomum dentro da lógica articulada por este gênero. Nesse sentido, o cineasta aplica mais um desvio em relação às convenções do melodrama. Ademais, outro ponto particular da mise-en-scène proposta pelo realizador finlandês é o exagero do tableau, artifício teatral recorrente no melodrama que transforma um episódio narrativo em uma imagem estática. Assim, observamos que os personagens de Kaurismäki raramente dialogam ou movimentam seus corpos, de tal forma que permanecem inertes por períodos exagerados. Desse modo, o uso hiperbólico que este cineasta faz do tableau insinua uma ironia em relação ao artifício. Em outras palavras, o que se observa é que os desvios propostos por esse cineasta em relação à mise-en-scène convencionalmente adotada pelo melodrama visam o estranhamento e a comicidade da narrativa encenada. Levando-nos a refletir se a força expressiva de seus personagens, solitários e economicamente marginalizados, não deriva justamente do isolamento e da apatia que sentem em relação ao próprio cotidiano e ao contexto vigente. |
|
Bibliografia | BROOKS, Peter. The Melodramatic Imagination: Balzac, Henry James, Melodrama, and the Mode of Excess. New Haven: Yale University Press, 1976.
|