ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | As potências do fútil em "A Seita" |
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Autor | Ricardo José Gonçalves Duarte Filho |
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Resumo Expandido | No mapeamento da sexualidade da sociedade grega no segundo volume de sua História da Sexualidade, Foucault ressalta um ponto bastante interessante levantado pelas discussões morais e filosóficas sobre as relações entre homens: para elas serem “belas” e dignas, necessitariam de comedimento em relação aos prazeres, pois o excesso desses demonstraria um homem domado por suas paixões e anseios. Assim, considerava-se efeminado não aquele que tinha relações sexuais com outro homem, mas sim o excessivo, o que se deixa levar por seus prazeres, incluindo aí também o prazer propiciado por adornos, como o autor ressalta ao escrever que “ninguém é tão severamente condenado como os rapazes (...) por suas posturas, sua maquiagem, seus adornos ou seus perfumes” (FOUCAULT, 1998: 197).
Avançando temporalmente, encontraremos no relato apócrifo da acusação feita pelo Marquês de Quensberry a Oscar Wilde, ideias ressonantes com os pontos discutidos por Foucault. É acreditado que ele tenha dito ao escritor: “Eu não falo que você é isso, mas você parece isso, e posa como se fosse, o que é tão ruim quanto”. Para o marquês, o fato de Wilde agir como um “pederasta” seria tão grave quanto a ação do sexo em si. Importante ressaltar que ambos os exemplos ocorrem antes da criação do conceito do “homossexual”, portanto demonstram que, antes mesmo da criação do discurso da homossexualidade, a afetação, o excesso e o artificial estiveram e, creio, continuam pejorativamente ligados a uma desvalorização do efeminado. Esses discursos deixam visíveis relações históricas entre o “excesso” e os corpos queers: “posar”, entregar-se aos adornos e ao artifício seria tão condenável quanto “ser”. Através desse brevíssimo e pontual esboço genealógico da relação entre futilidade e o efeminado, partirei da afirmação de Rosalind Galt que “cor, opulência, excesso e estilo são armas estéticas para corpos queer” (GALT, 2015: 60). O cinema torna-se então um campo fértil para essas “armas estéticas” por tratar-se de uma arte onde a mise-en-scène é um elemento primordial e cuja função primeira, desde antes da hegemonia do regime narrativo, é “fazer ver” e de causar o maravilhamento do seu público através de suas imagens (GUNNING, 2006). O seguinte trabalho almeja, então, traçar possíveis leituras do cinema queer produzido no Brasil na última década, onde percebo o uso de escolhas estéticas e narrativas em filmes como “Doce Amianto” (Guto Parente, 2013), “Como era Gostoso meu Cafuçu” (Rodrigo Almeida, 2015) e “A Seita” (André Antônio, 2015) como possíveis formas de vislumbrar uma potência subversiva do fútil e do estilo, voltando-se, para tal, especialmente a “A Seita”, visto como possível exemplo centralizador das ideias e conceitos aqui discutidos. O filme se passa em um futuro distópico, onde os habitantes mais abastados de Recife abandonaram a cidade para viver em “colônias espaciais”, um dos moradores das colônias decide então retornar para a cidade, onde passa seus dias lendo, flanando pelas ruínas e fazendo sexo casual com homens que encontra em suas andanças. A ação e a narrativa são escassas, pois o essencial ao filme é sua superfície: os cenários, as cores, as roupas, as cortinas, as louças etc. Importante notar que o filme também trata, diretamente, de tópicos marcadamente políticos, com questões caras ao cinema brasileiro contemporâneo, como a especulação imobiliária e a gentrificação urbana. Porém, defendo que sua principal força estética-política é de suscitar novas questões e deslocamentos, ao demonstrar que o estilo e o artifício podem ser utilizados como elementos subversivos. Portanto, o artigo parte do pressuposto que esses filmes, ao entregarem-se deliberadamente a “futilidade”, podem ser possíveis ponto de implosões e problematizações de interdições que privilegiam uma estética cinematográfica sóbria e realista, valorização historicamente calcada em discursos que subjugam corpos que saiam do instituído como “normal”. |
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Bibliografia | DYER, Richard. The culture of queers. London: Routledge, 2002.
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